BEM-VINDOS

Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

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sábado, 31 de janeiro de 2009

É Tarde, meu amor! - Carmo Vasconcelos


É largo o mar... A ele não me afoito 
Sepultarei na areia a tua ausência 
Que náufraga já sou na turbulência 
Desta maré adversa onde me acoito 

Se Deus abrisse para nós as águas 
C'o mesmo espanto com que o fez um dia 
Por entre a esperança aberta correria 
Rumo aos teus braços pra calar as mágoas 

Mas já se foi o tempo dos milagres 
Para que a tua vida me consagres 
E a minha à tua possa ser unida 

É tarde, meu amor, para a partida 
Resta a dor de jamais te navegar 
Cega de ti... ficar olhando o mar 
 

Se eu morresse amanhã - Carmo Vasconcelos


Uma grande revelação para mim, foi esta poetisa Carmo Vasconcelos, que, na ductilidade do verso, escreve em vários registos estéticos. Clássica e verso-librista, também discorre no discurso romanesco. É por isso multifacetada, e a arte, que dos seus dedos e da sensibilidade escorre, tem picos grandiloquentes. Veria eu com olhos de satisfação se algum livreiro se interessasse por esta excelente poeta, editando toda a sua obra, e estou convencido que ele seria recompensado na correspondência e no retorno comercial, que é isso, presumo, que os empresários editores pensam e querem; oxalá que esta asserção fosse um juízo enganado de quem a profere. Aqui e hoje amostro alguma da sua poesia - mas pode lê-la em -http://carmovasconcelos.spaces.live.com:80/  :
 

Se eu morresse amanhã, não o permita Deus... 
Minha pobre alma penaria sem cessar 
Por não ter pousado o meu último olhar 
Na redentora luz dos queridos olhos teus 

Se eu morresse amanhã, por já prescrita sina 
Sem tempo de dizer-te o que o coração cala 
Pra sempre ouvirias minha negada fala 
A cada passo, a cada som, a cada esquina 

Se eu morresse amanhã, sem tua flor ou poesia 
À tua ficaria minh'alma aprisionada 
Sem luz pra encontrar minha nova morada 
Sem golpe d'asa para voar sem nostalgia 

Se eu morresse amanhã, não o permita Deus... 
Num raio de lua ou brisa morna sentirias 
Roçar-te o rosto na maior das estesias 
Meu beijo de partida em derradeiro adeus!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Amigos - Daniel Cristal


Eu tenho tantos amigos, que não os consigo enumerar! Amigos de todas as idades: da infância, da juventude, da adultidade, da velhice. E também tenho uma legião de tantos amigos desconhecidos, que vejo os rostos deles num só com um sorriso pleno e perene; alguns destes, de vez em quando, acenam-me; outros estão do outro lado da vida transparente, e apenas sorriem nesse rosto único, como ícone perpétuo. Não se aproximam fisicamente, não me dirigem uma palavra, mas sorriem seraficamente, e eu sei que estão lá e cá. São os que preparam a imortalidade da presença amiga. Nesta não é preciso acenar de nenhum lado, mas apenas sorrir. Tenho tantos amigos que às vezes nas minhas deambulações, vou ao riacho do Juncal, e vejo-os a sorrir, perfilados num amalgamado rosto singular, à superfície do espelho das suas águas! São rostos todos iguais num permanente rosto, muito belo, muito puro. Como lhes aceno e eles não respondem, na visão espelhada, reage, muito perto, um canteiro geométrico cheio de cores amarelas, vermelhas e brancas. O seu odor atrai à distância, a sua fragrância é herbácea, e esta sente-se em redor. No centro do cenário, o marulhar do riacho, canta os hinos de amor, que melhor sabe. Tenho muitos amigos; todos eles me ajudam a viver, e eu não posso viver sem eles. Se um deles desaparece, murcha uma flor entre as demais, e com ela me murcho um pouco também, todos nós ficando à espera da Primavera logo advinda. Se algum deles fica triste, há uma legião de sorrisos que o atrai à distância com as suas fragrâncias odorosa e musical. Os meus amigos não choram, nem se entristecem longo tempo, mas sorriem com preferência quase todo o tempo, ao redor. Especialmente, quando nos encontramos do lado de cá ou de lá, e se estivermos distantes a melhor sensação, que há à volta de nós, aproxima-se. Como sou grato, por isso, aos amigos que fiz e tenho!
 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Se a Turba - Daniel Cristal


Nunca dou de barato qualquer acto,
e se a turba não liga ao que digo,
então eu digo: nunca mais eu ligo
ao lixo que, no outro, é um facto.
 
Se a turba não responde ao que eu exprimo,
que se lixe a orelha gasta e mouca
desta gente caduca que apouca,
e até a do primata que é meu primo.
 
Se o mal teima em grassar, que nela grasse,
desde que eu não deixe de amar
a pessoa que nos faz diferenciar.
 
Que nela grasse o ódio e a enlace,
que nunca mais se veja livre dele,
que a mate e esfole, alma e pele.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O Som duma Guitarra - Daniel Cristal


Aquele marulhar é uma sereia
na voz do mar e ele volta-e-meia
chama brada e seduz especialmente
quando o Inverno esfria o corpo quente
 
Quando o Inverno fustiga e nos recorda
o Sol da Primavera ou do Verão
somos uma formiga que acorda
e inflecte numa nova direcção
 
 
Sereia a marulhar nas nossas veias
o som da sedução no qual lhe peço
o timbre que enleva e nos enleia
 
É a ânsia de apressarmos sem regresso
o solstício de Junho ao ser cigarra
a festejar o som duma guitarra.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Estrelas Mil - Daniel Cristal


Deixa só que enxugue do teu rosto
a lágrima amarga que o desfeia
e deixa-me beijar pelo sol-posto,
os teus olhos na boca que os enleia.
 
Deixo esta carícia que te afaga,
a minha voz perdida na tua dor,
e abraço-te com força, com amor,
porque é com amor que a dor se paga.
 
Não sentes esta ardência, ó meu amor,
a inocência delícia da carícia?
Não sentes o calor deste fulgor?
 
Depois do sol se pôr, no meu rubor,
teus olhos brilharão com outra luz:
Verás estrelas mil no coração.
 

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Solidão - Daniel Cristal


Nunca estou só, amigo, nunca mesmo!
Quando reactivo, fico no casulo,
na crisálida onde me anulo,
e aguardo a mariposa, vinda a esmo.
 
Ela termina cedo ou mais tarde,
e chega a inspiração ou a utopia
nessa metamorfose da harmonia,
e, num mundo de surdos, faz alarde...
 
Há por aí a surdez de quem não escuta,
e só se ouve a si - palavra oca!
Extrai-lhe da cabeça a sua boca!
 
Pois, na passiva sigo a batuta
que me enche do som que me inebria
e até a solidão me extasia.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Virá o tempo - Daniel Cristal


Virá o tempo em que toda a nossa relação com o tempo, com o espaço e com a comunidade, é uma aceitação tácita de empatia pura, uma concordância inquestionável. Se não chegou ainda esse tempo, é porque não chegou a hora da verdade, ainda não nos adentrou o poder da sabedoria, não adquirimos ainda o tempo do Amor. Virá o tempo em que o tempo não mais é contado, e é aceite como se o princípio fosse o fim, e o ómega o seu alfa, e a civilização deixe de ser dividida em vários ismos, em compartimentos, alguns estanques, com cismas e outros sismos, outros desaparecidos, diluviados. A civilização ainda não encontrou o seu sentido de empatia global, ainda não acertou no tempo em que a verdade é tácita, em que a sabedoria é natural e universal, e não uma extensão de utópicas realidades, ou um desnudamento da complexidade apregoada, defendida e abusada. Ainda não chegou o tempo em que o poder é compartilhado; ele ainda é partilhado, mas ao sabor dos que estancaram e confinaram o espaço em quintas e coutos murados, o tempo em urgências e premências, ou em esperas infindáveis, a sabedoria em conhecimentos de espertezas mais ou menos saloias, vorazes e cerceadoras de usufrutos universais. Virá o tempo em que não há mais esperas, porque terão acabado as vésperas dos dias sonhados. Não se espera o que já se alcançou na plenitude. E essa sabedoria precisa de começar dentro de nós, e sermos nós a expandi-la sem tibiezas nem constrangimentos. Enquanto a questionarmos, apenas pertenceremos ao rebanho que ainda não se soltou. E temos de mostrar bem nitidamente que já não lhe pertencemos. O rebanho está tresmalhado, porque há gente que se libertou... Que se libertou do tempo, do espaço e da comunidade. Libertou e ficou diferente; até ficou malhado! Zegrado, se quiserem! É preciso que se note essa diferença, em nós e nos outros. Aí sim abusemos da nossa diferença. Exibamos às escâncaras essa distinção. É da empatia pura que eu falo. Não falo mais do que é igual, semelhante ou parecido ao que era dantes. Mostremos que estamos fora do tempo, porque o tempo já não mais nos limita, e o espaço tolhe o passo de quem não se livra dele. Malhemos a nossa comunidade. Virá o tempo, em que não se falará mais de utopia, porque esta deu lugar à empatia, e a empatia não é mais nenhuma utopia. É um modo de ser que começou por ser uma experiência vivida por alguns, mas generalizou-se; ela teve o desplante e a desfaçatez de generalizar-se, e há comunidades pequenas que se globalizaram. Qualquer dia, o mundo não é mais o mesmo. É o outro que vê o arco-íris numa simples gota de lua. Se ainda não chegou esse tempo, é porque a verdade ainda não se vê à luz do sol, é verdade escondida em alguns, e estes ainda não abusaram do poder que ela tem ao escancarar-se, ainda não nos adentrou o poder total da sabedoria, ainda não vivemos o tempo do Amor. Contudo, há-de chegar o tempo da empatia pura. Aos poucos, numa construção peça-a-peça, como um edifício construído aos bocados, interminavelmente, com sabedoria, com a Idade do Amor. Não precisa de estar concluído. Nunca precisará de nenhuma conclusão. O fim e princípio confundir-se-ão; anular-se-ão. Como se as resistências humanas contrárias, e o tempo e o espaço, não sejam mais precisos para coisa nenhuma ao entendimento do que é mundo.

sábado, 24 de janeiro de 2009

A Chave - Daniel Cristal


Hoje chorei a dor de ter nascido,
não sei porquê, meu Deus, não sei porquê !
E acho tão injusto, nem sei o quê,
nem sei por que assim choro, tão doído!

Mas, se chorar é impróprio do homem sério,
do homem grave, a besta mais valente, 
nem sei por que choro copiosamente...
É por não ter a chave do funéreo ?

Sim, onde está a chave dessa porta 
que abre rápida a última morada ?
Chorei por ter nascido sem mais nada...

Bastaria a chave quando o frio corta,
quando a vida esgota o coração;
perdoa, Deus, mas seria a salvação !

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Tristeza e Alegria - Daniel Cristal


A tristeza é romana simplesmente
e não é sentimento da beleza;
é soturna doentia inibição
que sente o pior lado da questão.

A tristeza mando-a às urtigas;
não a quero no gótico monumento
construído no eterno ferro e vidro
e exposto às marés de todo o vento.

À alegria sim abro-lhe a mão,
a beleza da esguia arquitectura,
a alma erguida pela divindade.

Não quero saber mais da imperfeição;
a minha visão voa na altura
abrangendo toda esta humanidade.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

É este o dia - Daniel Cristal


No espaço virtual, tudo é real
e nada fica igual a quem nele entra...
A vida se colora musical
com o tom amarelo lá por dentro.

Quando pinta o amor, ele é rosa,
quando vê a esperança, ela é jade,
e de repente nasce uma glosa
que parece a orquestra da idade.

Dessa orquestra renasce a sinfonia
com o poeta à frente, bom maestro,
e há sons de liberdade no bom-dia...

Cantam coros de crianças, belo o gesto,
no céu as aves cantam aleluia:
é este o dia e a glória d' harmonia.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Efigênia Coutinho - Baneário Camboriú


A poetisa que apresento hoje, é bastante conhecida neste universo internético, quanto mais não seja pelas suas opções nas encruzilhadas do destino. Persistente, acompanhante, evolutiva. Foi minha parceira desde 2003 em alguns projectos concretizados da ciber-literatura luso-brasileira, e partilhou comigo da saudosa «Távola Literária» que conseguiu um sucesso retumbante ao conquistar o 2º lugar no prestigiado TOP 30 CULTURA do Brasil em 2005, dando-se a conhecer aí figuras literárias que até então não passavam da obscuridade global. Sendo figura dinâmica na divulgação pela WEB, poeta lírica do Amor, partilhou também muita da sua arte em painéis e duetos que dificilmente serão superados na Literatura do presente e do futuro (assim a considero e recomendo). 
Cumpre-me apresentá-la neste Blogue por toda a actividade desenvolvida em conjunto  nesta senda particular das Letras, que creio jamais ter fim, enquanto for, humanamente.
A sua poesia caracteriza-se por uma fixação de imagens tecidas num tear de cores variadas, sujeitas a hemistíquios inusitados, elipses parabólicas e inflexões abruptas, e o seu estilo e discurso têm-se aproximado da estrutura clássica, sem que por tal motivo, fique prejudicada a emotividade pessoal. O classicismo aflorado, aliado ao verso solto, dá-lhe toda a vibração pulsional de que necessita para se exprimir poeticamente.
Apreciem, pois, a sua poesia nestas amostras aleatórias, pois a leitura da sua obra merece uma atenção muito especial:


RECOMEÇAR

Na ousadia de recomeçar a Vida
eu tentaria refazer meus sonhos
tornando-os ainda mais grandiosos!...
Embelezando ainda mais a vida!

Porque os sonhos são infindos
sem opressão, sendo mais formosos 
depois que se conhece e vive o Amor
como um salmo do próprio amor!

Nada mais grandioso que um Lacre
entre duas almas solidamente selado
do mesmo ideal do sonho encantado!

Não padeças se achares meu coração
triste, mas fique triste e desolado
se não encontrares o meu coração!

Efigênia Coutinho
Baneário Camboriú

 
DULCEROSAS QUIMERAS

Dulcerosas quimeras, vivi,
por sonhos de primavera num
tempo de terna nostalgia que
imortalizou a voz do coração!

Dulcerosas  quimeras, entre
sorrisos com aromas e beijos
qual mágicas notas musicais e
gorjeio de pássaros encantados!

Dulcerosas  quimeras, sonhos
banhando o céu com adágios
relembrando aromas de flores
deixando a alma enamorada!

Dulcerosas quimeras, por noites
de alva Lua, por onde sonhando, 
passavas embalando minha alma
duma Esperança de ser tua na Lua!

Efigênia Coutinho
Balneário Camboriú

 
SACRÁRIO DO AMOR

Como prova de Fé, como sina do sonho
evidente e completo de confiança na
tua afeição rara, as essências que
dentro de mim fez nascer o sonho!

Com zelos eu até quisera aprisionar
este sonho, mas entre espirais de 
incenso e de beijoim que envias para mim,
subiu aos céus esparzindo-se pelo Ar...

Hoje venero do teu sublime coração
o Amor, que cantas alegre e feliz 
dentro do sacrário da minha afeição...

E a seiva que entreguei a teu poder
- nobre senhor do meu menor desejo -
arrebatada esfuzia nas entranhas do meu ser!

Efigênia Coutinho
Balneário Camboriú

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Matar Saudades - Daniel Cristal


Elas lá vão as moças da minha terra
vão alegres, ajustam os quadris,
trazem lindos sorrisos, são gentis,
falam sempre de amor e não de guerra.

Lá vão como jangada em rio brando,
sabem que qualquer porto é seguro,
se for preciso saltam qualquer muro,
lá vão e depois voltam vozeando.

Vêm contentes rindo estridentes,
acompanhadas vêm, as moças belas
dos moços mais esbeltos, moços delas,
que só pra eles mostram os seus dentes.

Desfiam eles as novas lá de casa,
dão colorido à vida que é madrasta,
qu' estar com elas isso não lhes basta,
criar um lar isso, sim, é golpe de asa.

É um contentamento que as desvia,
às vezes por atalhos escondidos,
onde caem e perdem os sentidos,
desejando que o golpe lhes sorria.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A Chacota da Velhice - Daniel Cristal


A chacota da velhice é um aleijão anímico que continua a desmerecer a civilização ocidental. Primeiro, porque fazer chacota é merecê-la quem a faz, considerando que é espelho de azedume e vileza. Seguidamente, ela enraíza-se em parcelas arquetípicas de educação e formação insalutares, ainda activas, muito embora questionadas por espíritos atentos e esclarecidos. Em função da conservadora visão  apolínea ou venusta, a criança deficiente ou o velho decrépito, deveriam ser eliminados. Esparta assassinava os velhos e crianças, porque não serviam para a guerra. Esta faceta psicológica prevaleceu na cultura ocidental, diferenciada da cultura hindu ou budista. Efectiva e distintamente, nesta, a velhice é um posto superior na escala da hierarquia do saber e da harmonia universal. Estando nós no estádio de uma cultura a globalizar-se com os contributos de outras, haverá hoje mais razão do que nunca para uma aprendizagem que confronte filosofias e religiões, e se democratizem as premissas desajustadas duma concepção de vida colectiva imperfeita, contudo evolutiva.
Há pessoas que nunca pensaram na imperfeição moral em que vivem. Mas alertadas, muito ajudam depois à reconstrução da sabedoria à escala global.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Mea Culpa - Daniel Cristal


Eu não sou nada, Senhor,
Sou uma pedra perdida
Numa pedreira sombria.
 
Eu, eu não sou nada, Senhor,
Sou uma estrela ferida
Num horizonte sem dia.
 
Eu, eu não sou nada, Senhor,
Sou uma ave cativa
Posta aqui por engano.
 
Que pena tenho dum anjo
Morrendo no infinito
De quem a mãe não tem seio!
 
Perdoai, Senhor, perdoai, 
Mas eu já não creio em nada,
Nem sequer em mim já creio.
 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Perfume do dia - Daniel Cristal


O perfume do ramo que lhe dei
raiou no seu sorriso com encanto
e jubilou no afecto outro tanto...
Não há como o odor duma roseira

Nem olhou a abundância do espinho
que ameaça o dedo imprevidente:
faz sofrer e descarna quem o sente
na mistura da dor com o carinho

Cada gesto é uma alegoria:
entende-se o carinho e o seu perfume
e ninguém lhes consegue ser imune

Pois, há tanto perfume neste dia
quanto há nesse gesto de oferta
e a dor do espinho nunca é que certa!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Transformação - Daniel Cristal


Fui apurando com o tempo os meus sentidos,
Buscando na raiz da terra alguns mistérios:
O meu rosto específico dos anos idos,
Revolvendo a forma dos godos-celtiberos.
 
E fui sumariando os frutos do saber:
Aqui uma laranja doce que amargava,
Ali um limão amargo por espremer,
Mais doce do que alguma vez se imaginava!
 
E concluí deste modo: o que hoje nos atrai
Amanhã nos afasta com uma palavra
Mal medida ou a atitude que tudo esvai...
 
E razões para quê? Se buscamos em vão
O mundo que ontem foi cinza, e hoje é lava,
E amanhã será gelo em transformação.

domingo, 11 de janeiro de 2009

A Luz Eterna - Daniel Cristal


Como é bela, a pessoa, sendo casta!
Alta ou baixa, estreita ou alargada,
A criatura é bela quanto basta:
Cabeça, tronco e membros, voz alada.
 
Seu gesto nos revela a (com)paixão
Por toda a humanidade. Tem a alma
Singela, porque é bela! Sedução
No olhar onde a luz eterna se espalma!
 
Como é boa, a pessoa! Parece maga:
Nos cinco sentidos, a sabedoria
Da perfeição terrestre, armazenada!
 
Segue lhe a emoção, a autovia
Do coração, unificando o Aquém
Ao Além no seu Mundo de Alegria.


sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O Soneto - Daniel Cristal


A Nau de Portugal lá vai e ruma!
E exulto ao dizer: cabe-me a proa
Num Oceano encoberto pela bruma
Que o soneto clareia quando toa.
 
A terra que por cá cavei com suor
É semelhante a tanta doutros lados!
O fim é ela mesma... é altar-mor
Do Deus-Maior na dor dos desgraçados!
 
Altar onde se pede o sacrifício
Imolando o interstício do cordeiro
Na marcha baralhada por tom pífio.
 
O meu soneto é o som que calcorreio
- Clarifica o livrete que falseia
E é de toda a Terra o seu correio.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Discar o Sol - Daniel Cristal


Se algum dia me vires numa nuvem
a teclar todo o sol no nevoeiro,
verás todo o arco-íris na penugem
e todo o cereal puro num celeiro.

Porque canto o pássaro do futuro,
e a mão do semeador a dar amor...
Olvido esta dor do labor duro:
o verso semeado noutra cor.

Fragmento a cor sem outra dor
que não seja a alegria do amor;
e amo tudo o que faço neste dia.

E porque a utopia é a harmonia
que nunca nos é dada sem favor,
trabalho com ardor pelo bom-dia.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A Ampulheta do Tempo - Daniel Cristal


Nesta plataforma propícia à meditação, onde me situo no estado actual, verifico, com algum pesar e incómodo, que tenho andado algo arredado do vosso convívio agradável, e dos amigos mais distantes no espaço geofísico, coincidente por sinal com o mundo cibernáutico; efectivamente, alguns estragos o tempo tem cometido no meu corpo, próprios da idade e de alguns relativos excessos experimentados... mas continuo por cá sorridente, apesar disso. Auto-limitado na acção por decisão própria, receoso do desgaste temporal, cuidando dos arranjos adequados aos órgãos vitais necessários, distanciado de projectos. Apenas gozando o presente, quanto possível! Agradecendo a hora escorrida em cada momento ao Arcanjo que resguarda e vela a mansidão dos justos, na ambiência que nos cabe, graças também a vós. É, de facto, um privilégio viver mais uma hora no interior do bojo do balão fruindo do vosso saudável convívio...

É uma honra ser acolhido dia-após-dia nesta casa térrea onde desfrutamos de carinhosa companhia; onde vemos crescer os nossos netos passo-a-passo diferentes, mais soltos, mais afoitos, mais surpreendentes, os filhos a tornarem-se adultos, fortes, eventualmente com algumas cãs raiadas já na cabeleira, as filhas a tentarem agarrar a felicidade possível, noras e genros a procurarem acertar com o percurso que leva à plenitude do universo do amor.
 
Continuo, destarte, por cá sorridente e agradecido... não será por muito tempo, certamente, no comum conceito de esvaziamento da ampulheta. Quantos anos de poeira se mete dentro da ampulheta duma existência? Cinquenta, setenta, noventa? Ninguém sabe quanto pó nos está destinado, ou quanta energia e quanto tempo foram programados por força da Natureza, na edificação do nosso élan-vital. Porém, não esqueçamos, para favorecimento da nossa saúde e equilíbrio mental, que é só pó, eventualmente brilhante e cintilante, ou areia; pouca diferença faz, pó ou areia. Se for pó, ele avisa-nos todos os dias do que nos espera na reversão. Se for areia pode levar-nos a acreditar que ainda nos resta alguma ilusão da eternidade. Por curiosidade, nem sabemos muito bem como se processa o milagre do estado contínuo.
 
Para viver mais uma hora, a partir da meia-idade, é preciso ter renunciado anteriormente ao exercício de vícios e à prática de excessos; esses que dão muito prazer sensorial, mas matam ou reduzem a longevidade. É preciso resistir às drogas, ao tabagismo, aos excessos de álcool e da comida, ao desregramento nos hábitos naturais e salutares. São horas que farão falta à vida vivenciada com o prazer de se estar vivo na plenitude do convívio humano saudável, horas escorridas pelo orifício da ampulheta, que amaciam a alma com a brandura da consciência de todos os objectivos cumpridos, todas as obrigações satisfeitas, todos os deveres resgatados.
 
É um privilégio estar onde estamos, a ocupar o espaço que nos foi e está destinado por forças  muito poderosas, sobrenaturais, quase obscuras; há-de existir algum sentido para que cada um cumpra o seu destino, algumas vezes num âmbito colectivo, outras individual. Somos pertença de quem nos fez à semelhança de um deus original que tanto vive quanto morre, para que tudo continue multiplicado numa ou noutra parte do Universo, nesta forma e matéria, ou noutra possível, virtual, casualmente, para nós, até desconhecida.
 

sábado, 3 de janeiro de 2009

Utopia - Daniel Cristal


Utopia? E que mal existe na utopia?
Que mal existe na palavra tão temida
que não pareça simplesmente pretendida
ao ajudar-nos a encontrar a Harmonia?!
 
Porque se é de pobreza triste a nossa vida
ou se é de tristeza pobre a nossa fé,
então faz bom sentido fazer marcha à ré
até que a maré nos leve a toda a brida.
 
A toda a brida com a carta do mareante
que vai à caça do tesouro pela certa
e canta à bolina nessa descoberta...
 
E canta à proa, que não há medo que não cante,
e é melhor cantar de medo que estar triste,
pois o futuro urge a Harmonia que o assiste.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

O Beijo - Daniel Cristal


Não foi fácil beijar-te; muito menos
tirar-te o sutiã... Foi sim preciso
cuidar do meu olhar, do meu sorriso,
da minha fraca voz, dos meus acenos.

Difícil sim podíamos bem dizer:
foi toda uma alquimia explorada,
que de ti se soltou, nata do nada,
um encontro feliz ao acontecer.

O beijo só acontece no instante
em que irremediável nos convida
ao gesto da atracção de toda a vida...

Quer seja na boca, quer no seio,
só depende do ser que é tão galante
que sabe versejar no galanteio.