BEM-VINDOS

Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

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sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ventos do meio dia - Daniel Cristal


É um palácio encantado pelo amor
numa ilha toda verde e o mar em frente;
a palavra e o silêncio moram dentro
e ao redor há um calor abrasador.

A brasa que há em volta rodeia a dor
e logo que extinta há mais amor;
ele incendeia o Sol com mais fulgor
e não há mais dor seja onde for...

Onde estão as estrelas, que não vejo
o encanto do meu canto?! Vejo a luz
todavia no teu gesto que ofusca...

Há um som da melodia que almejo;
sondo ainda o horizonte na tua mão,
a tua mão que abrasa o coração.


sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Mil Cavalos - Daniel Cristal


Vou conduzir a cem à hora
num prototipo purpurina
turbocompressor por aí fora
a circundar cada esquina

Vou na bolina enquanto há luz
pra encontrar a minha amada
acelero tanto e faço jus
que me abrace e eu lhe agrade

Transponho o risco, desafio
a morte curva da estrada,
sobrevoo a ponte em cada rio
quero abraçar a minha amada

Serena Deus a minha ânsia
pra que a encontre esta noite
e seja eu toda a constância
e o nosso beijo nos acoite

O nosso beijo nos conduza
à pradaria dos cavalos,
na cavalgada que aduza
os gestos nossos mais alados

Conduzirei a cem à hora
em mil cavalos de potência,
e nunca mais irás embora
pois ficas presa na vivência

E no cansaço do galope
a nossa mão puxará rédea
pra que o cavalo ande a trote
e fique tudo pela média

Quando for fundo o teu cansaço
e não sentires ansiedade,
dormirei assim no teu regaço
na mais lenta felicidade.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Ir ao Circo - Daniel Cristal


Hoje apetece-me ir ao circo cheio,
Ver leões como estivesse em Moçambique,
Ver o burro tremelique que escouceia,
Cavalo lusitano troteando a pique.

Apetece-me ver corpos artísticos,
Acrobatas no espaço a piruetar,
Seus gestos elegantes e algo místicos
A desafiar o abismo sem pestanejar;

Ver macaco e elefante ajoelhado
Para ser aclamado pela gente,
Ver palhaço pobre humilhado
Pelo palhaço rico que lhe mente.

E aguardo ansioso a volta que o pobre dá
ao texto zombeteiro e vaidoso;
E rio-me da pobreza de quem está
A julgar que ser rico é ser ditoso.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Cada um nasce pró que é - Daniel Cristal


Chamaram-me Senhor desde a juventude
Nada fazendo eu para ser assim chamado.
Apresentei-me sempre com solicitude...
Sempre como sentia que devia ser olhado.

Não há, portanto, nada que me traia;
E quem me olhava de soslaio
Depressa descobria que estava errado.
Foi assim o outro quem me fez rogado.

E ainda que hoje me maldigam
E procurem rasteirar-me por despeito
Imperturbável continuo a ter por mim respeito.

Pois que cada um vive seu próprio estilo,
Cada um nasce prò que é, e a mais não é obrigado,
E se se queixa mais valia estar calado.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Carnaval - Daniel Cristal

 
Deixai-me pôr outra máscara
repetir o sonho vão
rolar nos enfeites das ruas
com a alegria das crianças
fingindo que o não são

Deixai-me pôr outro traje
em cetim de arlequim
num sonho de perdição
cheio de amor e marfim

evadir-me noutra aventura
no rodopio do samba
noutra visão de ventura
.
Deixai-me ser infinito
no sonho do ser impossível
longe do mundo medonho
e ao acordar voltar
a sonhar
o mesmo sonho

Deixai-me enganar a mentira
e a cilada

acordar e voltar a sonhar
o modo evasivo
de ser estranho
alheio ou esquivo
ao disfarce
do desengano

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Reencarnação - Daniel Cristal


Preciso de outro corpo que sustenha
o brilho da firmeza, tida outrora,
e que guarde esta alma com a senha
duma senda vivida vida fora...

Preciso de emigrar, de transumância,
de nova encarnação num outro corpo,
porque este já não firma a elegância,
e a um fácil desafio cai de borco.

Preciso de dizer um obrigado
a todo o amigo-companheiro,
e despedir-me assim do ser amado...
Irei voltar na forma de um obreiro
que continua a obra inacabada
recordando a senha decorada.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Carnaval - Daniel Cristal


Carnaval por três dias?!... Que seja um ano
para afastar a morte do profano,
e os estultos sejam mesmo sábios,
e os animais falem com os lábios...

Para que as prostitutas sejam fêmeas
iguais às cortesãs dos nossos tempos,
e os pedintes estejam a reinar
e o homem seja a fêmea a suspirar.

Carnaval por escasso tempo? Não !
Tem que durar um ano ou um tempão,
senão não vale muito; é panaceia
que engana a verdade toda cheia.

Assim, não vale muito, é tudo-nada,
efémera feeria, fátua filigrana
de tempo em que a verdade nos engana.
 

sábado, 21 de fevereiro de 2009

O Carpinteiro José - Daniel Cristal


Que simpático o José 
Parecia bailarino 
Vivia com muita fé 
Tinha corpo franzino! 

Ele era homem pacato 
Trabalhava com afinco 
Era humilde de facto 
A casa dele era um brinco 

Como gostava do José! 
Era de aspecto franzino 
Estóico de boa fé 
Corpo belo pequenino! 

Casado com minha tia 
Admirava-lhe a mão! 
Que mão apurada tinha! 
Nunca lhe faltou afeição... 

Que simpático o José 
Parecia bailarino 
Vivia com muito afã 
Tão pequenino e franzino 

Com a plaina alisava 
Qualquer madeira rugosa 
E co' verniz que lhe dava 
Assim ficava lustrosa 

Quatro filhos bem crescidos 
Duas mulheres e dois homens 
Bem nutridos parecidos 
Sãs figuras então jovens. 

Nos arraiais (era certo!) 
Trazia com ele os jograis 
Um sorriso sempre aberto 
Seu harmónio era demais 

Como gostava do José 
Ele era homem franzino 
Estóico de boa fé 
Corpo belo pequenino 
Em casa ao entardecer 
Havia sons de alegria 
Risos de bem-querer... 
Hoje são nostalgia! 

Carpinteiro José mestre 
Querido do povoado 
No tempo morno ou agreste 
Exercitava afinado 

Tinha mão que apresentava 
Dedos encantadores 
No acordeão dedilhava 
Canções de eternos amores 

Nele o José musicava 
Os sons mais fortes e frágeis 
Tirolirando cantava 
Dedos finos dedos ágeis 

Que simpático o José 
Parecia bailarino 
Vivia com muita fé 
Tinha corpo franzino! 

Tocava bem o José 
As modas da minha aldeia 
Os dedos do próprio pé 
Cadenciavam em cadeia! 

Ouviam-se ecos num fio 
Pelas colinas do rio 
Cantigas ao desafio 
E canções em corrupio 

O seu mister foi mistério 
Foi madeira torneada 
As suas notas, minério 
Da existência realizada 

Era um estóico este mestre 
Comia numa tigela 
Vencedor do Inverno agreste 
E todo o frio que gela 

Quando morreu este mestre, 
Morreu na aldeia a magia 
Na dor de algum cipreste 
- A mais bela poesia! 

Foi então que nesse dia 
Em que seus dedos pararam, 
Morreu também a alegria 
E cobriram-no de cravos! 

Que simpático o José 
Parecia bailarino 
Vivia com muita fé 
Tinha corpo franzino! 

Ah, carpinteiro beirão 
Mestre do acordeom 
Tinhas mestria na mão 
Tal a madeira com som! 

Digitavas no marfim 
Do acordeom que fizeste 
As pautas belas sem fim! 
Tanta alegria nos deste! 

Ó ti mestre carpinteiro 
Acordeonista a valer 
Tinhas o dom do feitiço 
Encantavas qualquer ser! 
Fosse num simples madeiro 
Fosse no harmónio a soar 
Tinhas prodígio altaneiro 
Fazias donzelas casar... 

E como foste (que grande perda!) 
Numa noite 
Com luar 
e os lobos 
angustiados 
a uivar! 

Levaste o nosso carinho 
Quanta beleza nos deste 
Azedou por ti o vinho 
Numa invernia agreste! 

Com ele morreu a alegria 
Na minha aldeia natal 
De luto ficou a poesia 
No meu rincão natural.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Día de Futurar - Daniel Cristal


Hoy es el día de saludar a la armonía.
Día de la Poesía bailar al son del arpa
Hecha sinfonía de la nave que zarpa
Al destino de la Estrella que alumbra.

Hoy es el Día de la Poesía... Digo: ¡ Buen Día!
Como es bella la "bailia"! Digo más: va
Y entra en la rueda y a todos: Entrá
Que mundial es la fiesta... ¡Es una alegría!

Hoy es día de decir de a todos: Vengan,
Rodas y giras en paso de danza!
Hoy es el día de la Alegría... Nunca más cansa!

Hoy es el día de la Estrella que nunca finaliza,
Nacida de la Alegría de una fiesta;
Día de Futurar la nueva Gesta.

Dia do Futurecer - Daniel Cristal


Hoje é dia de saudar a Harmonia.
Dia da Poesia bailar ao som da harpa
Feita sinfonia da nau que zarpa
Ao destino da Estrela que alumia.

Hoje é dia da Poesia... Digo: Bom-Dia!
Como é bela a bailia! Digo mais: vai
E entra na roda - e a todos: Entrai
Que mundial é a festa... É uma alegria!

Hoje é dia de dizer a todos: Vinde,
Rodai e rodopiai em passo de dança!
Hoje é dia da Alegria... Nunca mais cansa!

Hoje é o dia da Estrela nunca finda,
Nascida da Alegria duma festa;
Dia de Futurecer a nova Gesta.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Um Cálice do Vinho do Porto - Daniel Cristal


Um cálice de vinho celebra a vida
E trapaça a morte pela embriaguez!
Somos dois num só nessa taça erguida
E se juntarmos Baco então somos três.

Bebendo mais um cálice somos tetra:
eu, tu e o vinho, talvez mais o Baco;
o terceiro aquece e o quarto não peca!
Pra ti fica sempre o melhor naco...

Com um cálice de vinho não há morte
porque aqui Belzebu perde a frescura
- teu odor de mosto é o que me calha em sorte
e junta meu néctar à tua candura.

Ofereces-me o leito, a espuma e a lua
na dança que seguimos da concertina;
a noite é felina, e tu estás nua,
e é fina a canção que nos ilumina...

Mais vinho no cálice faz arder a alma;
despe já as parras que estorvam a palma
- Não pares, amor, chupa o mel da colmeia
até que o sangue sorva a Lua cheia...

Com mais vinho no copo ficas ígnea
e haverá mais tesão e frenesim;
é mel lambido na boca benigna
na forma de bolinho, creme ou pudim...

Ai, amor, que tens a boca sem manhas
que exalas o aroma mais fresco do mundo
e me dás as entranhas e as artimanhas
o esplendor da trapaça é gozo rotundo!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A Raiva do Tamanho Deste Mundo - Daniel Cristal


A raiva do tamanho deste mundo, 
Perdoai, Deus do céu, este pecado !
Mas creio-me num planeta imundo,
Acho que na origem fui trocado.

Tenho um nó na garganta que me dói
Sinto-me humilhado quanto basta
Não aceito esta minha condição
Pois não vejo num falcão o meu irmão.

Sinto-me só e traído num vespeiro
E esta angústia destrói a minha crença
Numa criança feliz dum mundo ameno
Por isso sou a revolta num incêndio...

Sufoco, amigo... vem, preciso de ajuda
Preciso de alguém amigo que me acuda! 

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O Canto do amor ecoa - Daniel Cristal


Ai, amor, quem dera que fosse sempre assim
toda a vida parada à nossa espera!
A alegria do beijo e do abraço
sem fim a primavera no regaço.
 
Mas, consome o tempo a premência,
a ilusão não alcança a fragrância
e assim nos entretemos dia a dia
na imanência da ânsia que nos fia.
 
Quem dera que a vida aguardasse
um desfecho feliz para o amor
pois, o que é para dar, dá-se sem fragor.
 
 
O que é para dar, dá-se sem a espera
de outra primavera, e quem dera
que amanhã fosse hoje de manhã.
 

domingo, 15 de fevereiro de 2009

A Beleza duma Ruga - Daniel Cristal


Que rosto lindo eu vi hoje, rugoso,
Tão fascinante qual o duma criança!
Continha o mesmo brilho radioso,
Continha a alegria pura duma dança...

É um brilho de amor por ser-se homem
E pela fé confiada na existência;
É como se o amanhã unisse o dia d' ontem
É como se o amanhã fosse a nossa essência!

Nos rostos deslumbrantes por que passas:
Um duma criança linda renascida,
O outro dum lindo velho com mil rugas,
Reluz futurecida a acção de graças.

Pois, uma ruga é prémio incontestável,
É o colo mais feliz da transcendência!
E é assim que se é criança admirável,
E é assim que finda a vida em sapiência.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

O Beijo do Céu - Daniel Cristal


O beijo do céu é um verso enxuto
gerado na essência do ser vivo
que o leva à melodia; um som altivo,
a única lembrança por que luto...

Um verso, só um verso, o bastante
pra nos unir no mundo do mistério
e torná-lo num palco quase sério
de outra maravilha: céu amante.

Pelo verso, o céu beija-me a boca
e o seu perfume induz esta palavra
aqui glória expressa por sua lavra.

É um beijo de amor, no seio da dor,
um beijo original, universal,
a paixão do que é umbilical.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Maravilha - Daniel Cristal


É lindo o dia nascido da alegria
com as aves trinando cá por dentro;
é lindo o sentimento: a harmonia
de quem, estando dentro, é seu centro.

Todo o dia maravilha esta alegria
dentro da harmonia, pois é o centro
que centraliza toda a energia;
que lindo ser o centro do que é dentro!

O mundo nos pertence e nos expia;
tem tudo o que tu és e te sobeja,
mas só tens o que és que te proteja.

Lindo é este dia de alegria,
irradiando de dentro do seu centro,
o melhor vento quente em movimento!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Os poetas amam-se - Daniel Cristal


OS POETAS AMAM-SE, ou seja o discurso que se segue, assim os estimula, e esta peça é um preito de homenagem à amizade, à afabilidade, à empatia, ao entendimento doutra razão, que nem dela tem muito - dado que os poetas estão fadados para se amarem. 

Assustadora coisa rara de se dizer: os poetas amam-se. Não é esse amor vulgar, corriqueiro e conflituoso, envolvimento polémico num lugar comum, ou sentimento feito de avanços e recuos e percorrido a preceito pela normalidade do romanesco trivial. É outra coisa especial que nem se exprime por palavras (tão funda é!), tão virgem se manifesta que remonta ao alfa das origens do Universo e nem tem substância concreta tal e qual o conhecemos aqui e agora. Por isso, os poetas reconhecem-se no indizível e inefável, na pureza do pensamento, que é só emoção, antes da palavra. 

E aqui está outra surpresa: é errado dizer que se não houvesse a palavra, não existiria o pensamento. A verdade é que o que mais se sente não possui palavras que o exprimem. As palavras gastaram-se com o uso que delas fizeram os nossos antecessores; poluíram-se diacronicamente em contextos de inapropriação. 

Se quem lê, vibra com o poema, poeta é também, porque se lhe identifica, ainda que não escreva. Diria que até é mais poeta do que o poeta, pois aquele deixa-se arrastar pelos seus sentimentos (do receptor). Mais do que um mago, o poeta é um adivinho, intermediário, o médium, para voltar a ser mago e feiticeiro no momento de toda a transformação definitiva e neutra. E torna a sê-lo no momento da osmose em que emissor e receptor se confundem no mesmo espelho. O poeta revê-se no receptor e vice-versa. É neste momento que tudo se transforma, e jamais volta a ser o que era dantes. Nesta ordem de ideias, o que prevalece é a sensibilidade de quem recebe, pois que o poema nunca mais é do poeta, mas também de quem adquiriu todo o conteúdo. Será mais músico o compositor ou o que recebe a sua mensagem abstrata e sensível em êxtase? Possivelmente o segundo. O primeiro apenas (mas este apenas quer dizer o todo na graduação do absoluto) perscrutou a sensibilidade do quem o escuta por antecipação modal e a trabalhou até que fosse arte de sedução e empatia. Há assim sintonia total entre emissor e receptor; ambos usufrutuários da Beleza trabalhada. Quem não a recebeu como beleza, não é gémeo do artista, não sintoniza a obra, pode estar bloqueado por outros modos que não os propriamente ligados à Beleza da expressão e à sedução, essa que leva ao êxtase supremo e é fonte de maravilha essencial e existencial. Quem não se sente seduzido pelo Cântico dos Cânticos? Os poetas, certamente, dizem sim, como leitores, no fundo também seus produtores da obra que neles existe em estado letárgico ou bruto. 

Não é nenhuma novidade dizer que o poeta desempenha um ofício e nele procura incessantemente empenhar-se e aperfeiçoar-se. E então quando o domina o que é que o complementa? É a alma poética que possui dentro de si. É ela que o distingue da galeria de outros escribas que não subiram, por forças intrínseca e extrínseca, mais um degrau no patamar do seu exercício literário. E arrisco mais um conceito: a originalidade não está no conteúdo, mas também na forma com a qual ele é transmitido. Para os exegetas da Arte pura, o que digo é tão límpido, penso eu, com a água da fonte mais pura e só desses me é possível aceitar qualquer crítica acerca desta asserção, no mesmo sentido de atingir a perfeição por subsídios ou aprendizagens de estesia própria, exercitada no seu laboratório de experiências artesanais ou artísticas. 

E exemplifico: Shakespeare ficou conhecido como o melhor sonetista anglo-saxónico, mas a sua obra reflecte outros mundos que não se confinam a esta constatação; toda a sua obra é duma envergadura invulgar e ainda hoje exemplar e inspiradora de outros Mestres. E sê-la-á até à consumação dos séculos. Porque ele foi mais longe do que a superficialidade ocasional do pensamento linear. Penetrou, outrossim, no mundo dos mitos antropológicos, no mais obscuro submundo-supermundo das emoções e das sensações nunca ditas anteriormente do mesmo modo, mas afloradas pela sugestão que as faz reviver, intimamente, sem a percepção total do seu significado. É um retorno, sempre genial, à origem de todas começos; um universo com medos e fantasmas inominados e inomináveis. Alegorias sobre alegorias de maravilha sedutora, um esplendor de figuras reencarnadas. 

Sinuoso percurso tem sofrido a Poesia até ao estado actual: o regresso pelo pensamento circunstancial ao classicismo, parece orientar os poetas, também libertados do espartilho e da armadura versificadora. E acrescento alguma reflexão sobre a Poética diacrónica, o que nos leva a analisar, por exemplo, a origem do verso sáfico. Provindo da poetisa Safo, que o criou, e desenvolveu na sua obra passional, e tendo sido destinado ao canto acompanhado pela lira, foi retomado por Horácio, exactamente com as mesmas acentuações tónicas nas 2ª, 4ª, 6ª, 7ª, 9ª e 11ª sílabas métricas. Do facto, podemos tirar algumas conclusões: a métrica foi uma invenção, apesar de muito elaborada pela razão e pela sensibilidade, e, nesta área, aliadas para produzirem efeitos sedutores e empáticos no receptor; ela não apareceu de forma espontânea como o canto do pássaro; procurou imitar ritmos da natureza do nosso ritmo biológico, do batimento cardíaco e da nossa sensibilidade, e ficou aberta a possibilidade, depois de 1915, data nevrálgica da mudança (com o aparecimento dos dadaístas), de o Poeta criar novos ritmos e cadências, neste tempo em que imperou a recusa da ordem formal, disciplinadora e normativa, possibilitando o caos; alguns estetas souberam aproveitar o momento modal para a desfiguração do molde e do recorte, contudo, no fundo, não fizeram mais do que dissimularem o ritmo subliminar, que revelava o domínio da versificação. Onde se simulou a desnormalização, depois de boa análise, resplandeceu a cadência consagrada simulada. A moda é efectivamente, uma renovação infinda de normas e conteúdos. Não admira por isso que o regresso ao classicismo seja também uma via possível, a qual começa, de igual modo no presente, a estar na moda. E ouso ir mais longe: a poesia clássica é o maior garante, a meu ver, da perpetuação deste género literário, ainda que goste de algum versolibrismo (leia-se também: dos versos livre e solto). Os melhores exemplos deste estado evolutivo da estesia poética, encontram-se em alguns Autores modernos, que seguem de perto Fernando Pessoa, ainda que não o admitam. Eugénio de Andrade, Miguel Torga, Herberto Helder, Ramos Rosa, Mário Cesarinny são bons exemplos do que penso. Na verdade, a contenção verbal é hoje um dos modos mais subtis para traduzir a beleza e de dizer o inédito, o indizível. No entanto, o que para mim é mais sensível, é que a construção do poema sob novo recorte e nova métrica, revela uma grande mestria na contenção linguística, obviamente verbal, e uma apropriação genial da cadência métrica, capaz de criar novos prazeres emocionais. Acho muito mais difícil escrever um poema em verso livre, do que na forma clássica (com algumas transgressões quando elas se impõem). No entanto, vejo que muito do que se quer impor como versolibrismo é tão só prosa poética, e seria muito agradável que os cultores o admitissem, porque assim tornar-se-iam admirados, em vez de rejeitados por quem é sensível a esta questão estética muito relevante na actualidade. Poucos seguem uma aproximação do classicismo pela via mais correcta: há rimas forçadas, que se anunciam e denunciam à distância e na proximidade. E é por causa disso que se pede mais trabalho e rigor: há que aplainar esse «modus faciendi», trabalhar o verso até que fique duma sobriedade extrema, a ideia fluída, o ritmo e a rima totalmente harmoniosos, a cadência na simplicidade absoluta, a harmonia na total escorreiteza, o depuramento de todo o ruído por mais insignificante que possa parecer. 

Retomando o verso sáfico, o mais melódico que, desde o despertar das Artes Literárias, até agora existiu, e apenas para ilustrar, realçar e precisar as considerações aduzidas atrás: se ele foi originário da Antiguidade cultural helénica, e renasceu no verso latino com a predominância da mesma acentuação metrofónica, acontece todavia que nas línguas românicas, e com Petrarca ele assumiu um ritmo diferente, ainda que aproximado na modulação modelar. A aproximação levou a que acentuação tónica na 4ª, 8ª e 10ª sílabas, lhe desse a plasticidade e a versatilidade verbais para que fosse cantado e acompanhado pela lira, e mais tarde eventualmente pela cítola, viela e o rebec, e desde o Renascimento pelas guitarra e viola, em terras da diáspora lusa - americanas, africanas e asiáticas. 

Há que fazer a diferença - e digo isto pela premência em situar conceitos na actualidade, entre a poesia artesanal e a artística; a artesanal - diríamos - que é a que se utiliza nos acrósticos, nas glosas, em muita da Literatura de cordel. Ela não deixa de ser agradável aos sentidos e apreciada por muitos literatos. O poeta usa aí a versificação, deixando que esta se sobreponha à ideia de salvaguardar a originalidade. Mas são sempre áreas de difícil limitação e separação literária por dificuldades de clivagem ou limitação. Também há obras artesanais que exprimem a originalidade do artífice; são as melhores dentre outras que não se diferenciam. A diferença de escalão entre a poesia artesanal e a artística, está no patamar abstracto da diferença pela distinção da excelência. É um degrau mais acima. Não é a versificação que domina e escraviza; porém, ao invés, são os instrumentos normativos da Arte que são submetidos à mestria do Poeta; são esses os meios ou os modos amestrados e submetidos ao bisturi, à lima, à lixa e à lapidação exclusiva do literato criador. 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Amigos - Daniel Cristal


Verdadeiros, alguns, e fazem festa
quando num bom convívio reunimos
essa nossa alegria que atesta
quanto afecto por todos nós sentimos.


A amizade não é racional, mas
também pode ser isso, e mais que isso,
e pode abranger todas as almas
que foram gémeas neste compromisso.


A amizade é tolerar qualquer defeito
que seja pelo Bem, bem tolerável,
pois que não há na terra ser perfeito.


E é também ouvir quem é afável,
ou quem ajuda bem a ultrapassar
a tormenta que fermenta pelo ar.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

E se de Repente... - Daniel Cristal


E se de repente hoje começássemos
a falar de virtudes, quem contestaria?
Quem diria é falso tudo o que iniciaste:
a virtude não existe hoje em dia...
Dela se fala, mas não se pratica!
 
Por exemplo, dizer 'viva o trabalho'...
O trabalho é o começo dum bom-dia!
Tu mandavas-me logo prò carvalho,
e dirias que a preguiça é que nos fia,
porque é a gatunice que nos guia!
 
E, se, de repente, eu insistisse
que só vence quem vive a disciplina
- erradicando toda a malandrice,
que me dirias tu, menino ou menina?
Dirias que ainda és bem pequenino?
 
E se de repente, o mundo fosse ético,
quem é que o maldiria, algum demente?
Algum louco vidente malquerente,
qualquer pessoa manhosa em ritual tétrico?
Algum esperto com figura de gente?
 
De repente, tudo pode ser mudado,
podemos mudar o curso do acaso,
podemos amar quem precisa ser amado,
e dar azo a que aconteça o caso raso;
o raro caso raso desejado...
 
Quem disse que aprender é uma ova?
Quem disse que morremos sem ter nada?
Que os bens ficam na terra, não na cova,
e que a morte nunca é a esperada?
Quem disse que é a alma que faz prova?!
 
E, se, hoje, iniciássemos o curso
de alguns prazeres da alma, por exemplo:
a leitura do livro do saber
viver num mundo adverso e convulso,
preservando o equilíbrio da mente?
 
Amar o rio, amar o mar, amar
a pessoa que precisa de auxílio,
repartir, dar um pouco do que sobeja,
a abundância acessória ou que seja
desnecessária fútil malfazeja...

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Amor de Gemipar - Daniel Cristal


Há um encontro marcado desde o início
uma data de amor que nos consome...
Por ela passo sede, passo fome,
e já não vejo o fim nem o princípio.
 
Dá-me, Deus, o ensejo para amar
aquela que me espera no seu ventre,
e espera que a ame e a contente
na senda dum amor de gemipar.
 
Um amor gémeo, parecido e único,
um amor exemplar, fusão de opostos,
com os olhos e os dedos em nós postos...
 
Há um encontro marcado mediúnico,
uma data riscada a cada instante,
que se há-de encontrar mais adiante.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Outono - Daniel Cristal


Hoje senti o ar fresco do Outono
E fiquei feliz.... muito contente
Por reparar que a chuva fora a dona
Dum dia de alegria desta gente.

Foi brisa refrescante, cheiro suave
A mar, a rio, a erva, a amora,
Um silvo animal, talvez de ave,
Um uivo ansioso entre a flora.

Foi fim do Verão! Agasalhei-me...
Ficou uma saudade bem severa
E uma esperança nova: Não nos queime
O que virá até à Primavera!

O Verão foi de fogo e de secura,
Destruiu a floresta, matou rês,
Matou gente... Foi época assaz dura
Pró povo! Só gozou quem é  burguês! 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Companheira - Daniel Cristal


Advieste na esperança do futuro
muito subtil na extrema confiança
de que a vida pode ser a dança
capaz de derrubar um duro muro.

Adoptaste os deuses que adoptei:
os nossos mortos-vivos, a mãe única,
o amuleto-rei sobre a túnica
pautando a regra justa ou a sua lei.
 
Foste no meio dos mitos, o meu mito,
mulher que me conteve na redoma,
onde vive alegre o teu genoma.
 
Nunca medi o amor... não tem medida!
Preenche sempre a parte da lacuna
como a areia móvel duma duna.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Morrer de Amor - Daniel Cristal


Foste comigo até onde fui lesto
quando te disse estou abandonado...
E mandaste ao diabo todo o resto
quando disse estar enamorado.

Foste comigo numa viagem grácil,
numa viagem cheia de emoção;
vivemos um amor tão belo e fácil
que nos encheu pra sempre o coração!

E, se tiveres saudades na memória,
fica sabendo então, que eu também
não me esqueço da glória da estória,
e dela me recordo aquém e além.

Pois, daria todo o ser pra te rever
sem me importar, então, de amor morrer.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Mais uma chance - Daniel Cristal


Só mais uma. Uma só que seja concedida por compaixão aos homens deste planeta. Uma oportunidade piedosa, uma que seja misericordiosamente concedida por um choro de alma sentida, sofrida, uma chance que será agradecida por todas as fímbrias do ser humano, dentro dos seus interstícios, e aí permaneça para sempre. Uma que seja oferecida gratuitamente para expiar todos os erros cometidos até aqui e agora na viagem empreendida aos trambolhões, aos arrastões, às cotoveladas. Oh, se, mais uma chance, me fosse dada, quanto erro iria ser evitado! Por generosidade, concede esse favor!

Será possível pedir assim ao Deus da Harmonia, mais uma oportunidade para começar de novo? 
Para iniciar tudo do zero, rasar e aplainar toda a tábua, e voltar a percorrer o caminho de uma vida, de uma existência sofrida? Tantos erros cometidos, só entendidos no final de cada um, consciencializados na repetição do mesmo acto irreflectido, consciencializado o engano danoso na madureza da idade, nesta etapa final, neste período de desova, ou do poisio, da libertação, na descarnação, neste tempo final, que agora de nós arremeda, como se fôssemos eternos aprendizes a precisar de um recomeço quando se questiona a substância do trajecto seguido e o modo como foi percorrido, em cada ocasião em que foi necessário escolher, optar e decidir. 

Só mais uma, uma vez concedida pela graça do núcleo divino que nos mantém vivos até ao fim natural de todos os tempos, ou acidental de todos os acasos, sortes e azares, que são pura imaginação ou abstracção insustentável no mistério que causa sofrimento; só mais uma chance, assim na forma humana, sendo a mais ingrata e difícil, mas não para expiar o mal do mundo, e outrossim para deixar uma obra pelo exemplo, uma obra simples, muito leve, etérea, extremamente volátil, aérea, uma existência fluída que fique como paradigma da leveza confundida com a felicidade das coisas puras insustentáveis; poderia até ser larvar, um casulo capaz da metamorfose. 

Só mais uma vez, voltar, e recomeçar. Porém, na consciência do trajecto percorrido, do terreno acidentado que nos levou até aqui, com todas as mazelas expostas das feridas sofridas nas quedas, nas escorregadelas, nas rasteiras maldosas e espertas que nos pregaram, nas humilhações a que fomos sujeitos pela vileza e pela madureza dos inescrupulosos. Na profunda consciência do passado. Não na aventura, nessa tentativa de encontrar o rumo certo, sem conhecimento perfeito das coordenadas mais correctas. Esta não será certamente a melhor via. Felizes os que voltaram com a massa moldada, com o corpo e a alma macerada no passado sofrido! Felizes os que foram verdadeiramente renascidos com toda a acumulação de erros cometidos, deles consciencializados! 

É imperioso voltar, torna-se imprescindível regressar para se consertar tudo o que foi desconserto. Regressar com os erros entronizados, amassados no sangue e na alma; que não está garantido eu ler o que agora digo, no próximo regresso noutra forma e noutra carne... Para minha infelicidade, essa dói-me por não ter a certeza de tudo o que há-de acontecer, talvez nem me seja permitido outra chance igual à que tive, e me deixou às vezes amargurado, outras renascido. Todavia, no fim e no fundo, compreendo todos os ricochetes que recebi, todos os reflexos onde me revi, todos os refluxos que suportei. E confessemos: alguma falta de mestria na escolha, falta de saber no torneamento dos problemas surgidos, falta de cuidado nos momentos em que é preciso firmar o rumo. Não soube evitar o lodo ou o ambiente fétido em algumas ocasiões, não soube evitar a má companhia, e evitar o confronto com os depredadores de almas e bens, os valdevinos, os matreiros, não estive sempre alertado para os perigos da traição, do engodo e da mentira, e não evitei a tempo e frontalmente as serpentes do veneno.

Também aqui e agora. Também posso recomeçar. E recomeço... contudo, num tempo em que me
falha a força da reconstrução integral. Em que tudo é um pouco improvisado pela minha falta de futuro pleno. Esse, pleno de vigor, prenhe de esplendor a que já tive jus, e não soube aproveitar na sua plenitude. Pois que, para meu pesar, ou a minha amargura mais profunda, a luz bruxuleante nunca alumia com a intensidade de um sol em pleno fulgor.

Ah, sim... se me fosse possível regressar agora na plenitude do entendimento, ou amanhã ou depois, a saber o que sei hoje! Seria, certamente um bom regresso, postas de lado as cangalhas que só nos atrapalharam, e tolheram o passo mais acertado, atrasando a marcha e a dança, no sentido inverso da sabedoria, que, esta sim, é a verdadeira felicidade, e enganosa também para quem julgar tê-la obtido no absoluto, porque se está sempre no limiar, sempre aquém, contudo, ter consciência disto mesmo é cumprir a evolução que nos é proporcionada. Ai, quem me dera, criá-lo, como um paisagista, neste espaço concreto, o meu jardim interior, e partilhá-lo com os que, na descoberta, estão simultaneamente dentro!

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O nosso S. Caprichoso - Daniel Cristal

 
Este Inverno vai chuvoso
Quatro nevões é de mais
Arredai São Caprichoso
Santo de que não falais
 
Há santos por isto e aquilo:
Santo para toda a tormenta
O santo da Dor aflita
O santo da Morte lenta
 
A santa Maria virgem
O amado são Cristóvão
Santo toda a vertigem
O santo filho dum órfão
 
Oh como vai invernoso
Dia-a-dia chove bem
Guarda-chuva sempre aberto
O pé sempre frio também!
 
Há neve nas terras altas
Ai que nos valha S. Pedro
Perdoai as nossas faltas 
Andamos com frio e medo!
 
Valha-nos nossa Senhora
Ou santa Bárbara ardida
Esta estação rigorosa
tem sina desconhecida
 
Que neve na terra alta
Pra termos boa cereja
Amêndoa da nossa malta
Mais pura que carqueja
 
E que chova no nabal
Do Minho até ao Algarve
Mas chuva a mais na cidade
É amarga praga de alarve
 
E este vento danado
Fustiga a gabardina
Leva o chapéu disparado
Ao céu de cada esquina 
 
Ó santos do meu País
Santos por tudo e por nada
Mandai o Sol neste dia
Fartamos esta chuvada!