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Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Um Amigo Salvou-me de um Afogamento


Era uma força arrastadora magnética que me puxava para o centro, sem que eu me conseguisse livrar do seu poder.
O Borges lá em cima do penedo a lançar-me a toalha comprida, e eu a agarrá-la com toda a minha força. O amigo a puxar, a puxar, ambos em pânico. Mas, ao cabo duma luta pela vida, lá se conseguiu salvar o mancebo do desastre fatal.
 
As temperaturas dos verões na capital do Norte, às vezes são tórridas. O escape ao calor sufocante é ir às praias e mergulhar na água fria do Atlântico.
 
No início dos anos sessenta do século passado, no Estio íamos às praias com um ou mais amigos. Do Porto à Foz é um instante. Naquele tempo os eléctricos resolviam-nos o percurso. Para ir ao a Leça e ao Cabo do Mundo era preciso um automóvel para o transporte nos caminhos de terra-batida, e aí havia menos embaraço. Quanto mais a Norte, menos veraneantes encontrávamos. A praia aí tinha e tem pequenas reentrâncias cujos rochedos abrigavam das nortadas os frequentadores. E era mesmo para aí que eu preferia ir, mas nunca ia sozinho, sem desprimor para a Foz que gostava também de frequentar. Aí chegados, despíamos a roupa e ficávamos em fatos de banho a bronzear a pele como lagartos a aquecer o sangue. Eventualmente dávamos uns passeios à beira-mar, olhávamos as garotas, e às vezes trazíamos mais companhia no regresso. O Castelo do Queijo alimentava-nos algumas imagens do Cavaleiro Andante, tornando este monumento mais exótico na nossa imaginação pelo simples prazer de o ter ao lado.
 
Por falar no Cavaleiro Andante que conquistava castelos no deserto como se fossem moinhos no Minho, nas Beiras ou na Estremadura, e era uma minha leitura obrigatória das estórias aos quadradinhos, convém também declarar que não perdia de igual modo a companhia do Mandrake, o mágico que fazia milagres em espantosas demonstrações.
 
Mas vamos à estória que me traz aqui: amigos há poucos, mas quando os há, há que conservá-los. Eles salvam-nos no pior momento dos riscos que corremos, quando estão ao lado ou por perto. São muitas vezes preciosos por nos darem a mão na ocasião de maior perigo. Apoiam-nos nos momentos incertos, nas indecisões, às vezes até se arriscam para nos salvarem das dificuldades. Pois, em conclusão, não ter amigos é um falta perniciosa para a vida em comunidade.
 
Narrando o episódio, foi assim: ali perto da foz do rio Douro no lugar chamado Cabo do Mundo, quase ao lado da Casa de Chá Restaurante Boa-Nova, onde foram esculpidos na pedra alguns versos pungentes de António Nobre, nesse dia decidi-me a mergulhar num mar mais ou menos agitado; ia comigo um colega do colégio João de Deus no Porto, que mal sabia nadar, mas que resolveu acompanhar-me para nos expormos ao Sol e recolhermos da queimadura um pouco de bronze.
E mergulhei nessas águas traiçoeiras.
Não sou exímio nadador mas faço à vontade uns cinquenta metros nadando de croll com regresso de costas. Contudo, depois de umas braçadas, senti que a água fazia redemoinho à volta do rochedo mais próximo e eu não conseguia livrar-me daquela força centrípeta.
A espiral resultante da corrente à volta do rochedo não me deixava chegar à praia.
 
Foi preciso o Borges alcançar o rochedo pela parte pedregosa que penetrava no mar e lançar-me uma tolha comprida para eu agarrá-la, firmar-me no penedo e subir a pulso a escarpa. As mãos sangravam no fim golpeadas pelas saliências das lapas e das arestas da rocha. Mas foi a minha sorte ir acompanhado.
Se eu estivesse sozinho certamente que seria vencido pela corrente, todavia com amigo por perto, foi a minha salvação.
 
Quando recordamos o episódio, o Borges ri-se, e eu também, mas na ocasião do acontecimento não foi nada divertido. Traduziu-se o evento num susto, que eu só reveria no mergulho às águas do rio Zambeze, também junto à sua desembocadura onde rabiam jacarés.
 
Por falar no Borges convém dizer que há amigos que nos acompanham desde a juventude até ao fim da existência. Conheci-o no Colégio João de Deus, e posfaciei na conta-capa um livro seu de narrativas, intitulado NÃO MATEM A ESPERANÇA, ambos fizemos em Coimbra a admissão à Universidade e fomos admitidos, cursámos juntos em Mafra um curso militar de Oficiais Milicianos, encontrámo-nos na guerra colonial em Mocímboa da Praia e Quelimane, retornámos ao convívio no Porto e em Gaia na idade adulta, nessa ocasião com famílias constituídas, e este laço de amizade continua hoje e só acabará quando não houver mais memória de nós, ou quando não houver mais memória simplesmente.
 
Por falar em Nogueira Borges, ele anda a tentar editar um livro na forma romanesca. E só ainda não editou porque os Editores não têm vocação para descobrir talentos.
E ele também acha que o caso de Miguel Torga é exemplar, mas é próprio do seu tempo: a competição naquele tempo era reduzida em comparação com a barafunda que vai no mercado livreiro da actualidade; hoje em dia, qualquer escriba mal amanhado desfruta de uma edição em papel em boas editoras, só porque apareceu algumas vezes na televisão num programa para mirones compulsivos ou numa revista que destaca escândalos ou aberrações sociais.
 
Concluindo o sumo da estória: a Amizade não tem preço nem é uma moeda de troca. É um bem precioso e generoso. Uma mão amiga pode salvar alguém dum acto de loucura, ou qualquer outra imprevidência, utilizando para o efeito qualquer instrumento que por ele seja segurado: um remo, uma corda, uma toalha estirada  até ao extremo na ocasião adequada, sujeito a precipitar-se na rocha húmida lodosa escorregadia, resultando desta tentativa de salvação um duplo desastre fatal.
  

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