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Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

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terça-feira, 20 de julho de 2010

Poeisis e Poesia - Daniel Cristal

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Poïesis é o étimo grego que foi adoptado em latim pelo termo Poeisis e nas línguas românicas pela designação de Poesia. De acordo com a cultura grega, transformada através das suas conquistas na Ásia e Norte de África nesse período pujante do Império helénico, em Civilização; Na origem - «ab initio» - a Poesia não era substantivo mas um verbo. Não era um produto, um acto finalizado por longa descrição ou narração dum fenómeno ou vários numa obra fosse ela pequena ou grande, tais como um texto, uma canção, uma estória. No seu início era a própria acção da criação, momentânea, como se fosse um clipe reduzido à mínima expressão. O poeta poetava ao exercer um acto criativo explosivo, subitamente detonado. Da acção nasceria a obra, à qual nós chamamos hoje inspiração do êxtase captado em poucos segundos, que preencheria a infinitude do deslumbramento.
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Entre os dois significantes há uma enorme diferença. A essência no curto desenvolvimento da acção na forma explosiva, o próprio limiar da acção decorrente e a sua memória captada são o que restavam deste mínimo decurso. Derivando do exposto, esta acção poderia muito bem resultar num signo silogístico com a designação de poetar um só verso, diferente daquele que hoje ensaiamos na Ciberliteratura interactiva recente. Nessa acção não há necessidade de utilizar nenhuma técnica artística, estética, retoque pessoal ou original. Um verso preenche todo um fenómeno minimalista observável e sentido. Esta deflagração concilia a matéria com o tempo minimalista e o homem com o mundo virginal, sendo sempre a metamorfose dum ante que se torna depois durante uns instantes. E reforçando esta ideia pelo léxico posterior obtido, o étimo acabou de forma analógica por ser aplicado na terminologia da Biologia na forma de sufixo; assim é o caso da hematopoese e eritropoiese, que significam: o primeiro, a formação enigmática de células sanguíneas, e o segundo a formação misteriosa de hemáceas. Estas são acções sanguíneas momentâneas, que se operam no sangue para a sua renovação, produzidas em fracções do segundo.
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Neste caso a heteronímia aplicar-se-ia como fosse uma autoria indefenida, não o autor da obra, mas outro, associada às Forças Ocultas da Natureza do Universo, em especial deste planeta, ou numa só expressão: à divindade deificada, que regula a obra que se criou com ela, e com ela evolui ao se ir fazendo com um intuito por ela programado. Quem assinaria a obra não deveria ser o vulgarmente considerado autor, mas um só D, de Divindade ou de Deus, se forem crentes, porque se não forem o D também serve muito bem ao enigma desta máquina energética, que é o Mundo, e que também os ateus nunca conseguirão desvendar.
Platão refere-se num simpósio socrático a Diotima, e descreve a acção Poeisis como um esforço para contrariar a fatal continuação mortal do homem. Todas as definições do termo garantem a tentativa da conquista do belo, como uma espécie de fazedora/criadora, ou fazente/criante.
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Na retrocitada ordem de ideias e seguindo Platão diremos então que na origem do decurso da acção há um movimento que contém três aspectos diferenciadores na signigicação fornecidos nestes exemplos: 1) Poïesis pode ser a cópula destinada à procriação como uma condição para a permanência genética animal projectada ao infinito, 2) pode ser uma acção de heroicidade conducente à glória e fama, as quais são também factores de imortalidade da pessoa, 3) Poïesis como condição anímica inserida no culto da virtude e do conhecimento.
Na verdade, entre outros, Martin Heidegger faz referência destacada a este movimento explosivo e define-o como condutor/levante, ou seja numa tradução mais portuguesa uma acção "trazente/metamorfoseante" com a amplidão máxima possível. E caracterizou analogicamente Poïesis com exemplos: a florescência a florir, a formação da borboleta a brotar do casulo, a cachoeira quando a neve de repente está a derreter. As três analogias dos exemplos de Heidegger, baseados no conceito etimológico, são acções liminares duma imprevista ocasião espontânea e momentânea, bem extasiante. É uma ocasião de deslumbramento igual a algo que se move duma posição fixa, uma acção invulgar e pontual duma cena que deixa de repente de ser o que era ou foi anteriormente, e é em conclusão a visão duma pequena parte holística do mundo que repentinamente se transforma noutra coisa inteiramente diferente.
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Afinal e reflectindo sobre o que disse retrospectivamente, o poeta é apenas um observador, e quando este esteta escreve só o que observa, o mesmo seria dizer que ele é o tradutor de toda a força da Terra comungada com o Universo a manifestar-se através dele; nesse estado ele não é o Autor, mas o intérprete duma súbita manifestação metamórfica. A irrupção dum vulcão poderá ser uma acção poética, assim como o orgasmo que nos aproxima da divindade.
No mesmo sentido o canto do rouxinol é uma acção da poeisis pura espontânea, levando em conta que expressa a beleza muitas vezes esfusiante da natureza. É, direi eu, o diamante bruto que agrada e incita ao deslumbre. No entanto, a poesia deixou de ser a acção helenística com o decurso do tempo para ser um produto pleno de artifícios que só o domínio de técnicas e das estéticas pode fazer deslumbrar «ad extremum». O diamante bruto pode tornar-se o mais belo diamante lapidado (fiz-me entender?). A música e a poesia nascem da poïesis, mas não se confinam à pontualidade de algumas sucessões curtas no tempo; elas desenvolvem-se por toda a obra de Arte: a Poesia e o Romanesco, a Pintura e a Escultura. Porém, o deslumbre vai aparecendo no máximo esplendor à medida que se desenvolve, por intermédio de aperfeiçoamento com recurso a técnicas apuradas e ajustadas (as mais variadas, as mais adequadas, as mais desenvolvidas, sendo preciso também seleccioná-las. Eis que é assim que é gerada a criação (o nascimento) e se expande a obra depois da explosão inicial. Quando Heidegger diz que poïesis é uma acção liminar, o primeiro instante da queda-d'água em cataduta a brotar de degelo, ou o primeiro instante em que borboleta sai do casulo, ele refere-se com certeza à Poeisis do género etimológico, instante de transformação.
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Ora, a poesia como nós a entendemos hoje é a obra terminada depois de depurada, um trabalho em laboratório criativo. Poesia nas línguas românicas, anglo-saxónicas, ou outras quaisquer, é obra ou obras donde nascem permanentemente borboletas e cataratas, virtudes e belezas, vulcões e orgasmos, e todos eles passam pela nossa imaginação na leitura ou audição e por todo o sistema sensitivo das ramificações neurológicas, deslumbra pela variedade de sensações despertas logo despoletadas, dedilhados que são os signos encadeados nas mais diversas formas e nos mais díspares significantes plurissignificativos.
Como estamos a discorrer numa área em que as analogias abundam, as metáforas inter-agem na criação de alegorias, poderíamos afirmar que o amor à primeira vista também aqui tem lugar, a atracção irresistível, e ao falar assim estamos a aprofundar o que é Poeisis; todavia, o amor que a partir daí se desenvolve, a proximação subsequente e o conhecimento mútuo, prazer e paixões, atravessados por compaixão quando o amor vacila, todas estas acções fazem parte de uma Poesia trabalhada esteticamente nos nossos dias. Edgar Allan Poe revelou que escrevia muitas vezes em estado de vigília. Ora bem, aqui temos um processo também primoroso (pelo menos, no seu caso, foi) de exprimir o que é deslumbrante no meio-sonho com a capacidade para deslumbrar quem recebe a mensagem. Vários poetas e escritores dizem que anotam as suas impressões e sensações em papelinhos e depois os trabalham nas suas obras. o processo citado ajusta-se muito bem ao conceito de Poïesis. Também este é um processo magnífico de captação de acções fulgurantes que poderão servir a poesia e a prosa. No meu caso pessoal, muitas das obras nascem nos espaços em branco do jornal que compro e leio diariamente. Há dias em que os perco, mas não me aflijo porque a ideia renascerá sempre numa nova dimensão, o que às vezes é um benefício assaz vantajoso.
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Neste momento surge-me uma dúvida e titubeio para a sua revelação. Quando a língua inglesa usa o verbo para substantivar um tempo relativamente longo, por exemplo o signo verbal Spring que designa primavera, e Fall para Outono (as duas estações que fazem mudar toda a face dos panoramas terrestres, extremamente sedutoras), tudo me leva a pensar que estamos em presença duma herança pan-helénica, com a diferença de que essa acção liminar (nascer/cair) se transforma no tempo na Poesia que hoje decorre por três meses, mais ou menos, uma sucessão de nascimentos e ocasos anuais que maravilham o mundo onde somos contemplados pela vida que nos foi agraciada sem custo nem pagamento cobrado ou a cobrar, seja ela curta ou longa. Tudo o que somos, a nós se deve, e mais vale que seja uma vida longa que breve, se for com saúde.
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Contudo, o volte-face de todo o exposto desde o começo, está nesta revelação que certamente já passou pelo cérebro de boa parte dos meus destinatários seguidores: é que nem a Poeisis grega foi cumprida a preceito no seu próprio País, desobedecendo ao seu étimo. E a confirmação está nas obras de Orfeu Lino, Alceu, Safo, Anaceonte, Píndaro, Esopo, a poesia épica - Ilíada e a Odisseia. A sucessão dos momentos de poeisis é a mesma que hoje exercitamos e executamos nas obras que vamos lendo e humildemente escrevemos numa dádiva escassamente retribuída em dinheiro, bens ou géneros; elas são mormente contenpladas com paga-nula, todavia, apesar desta fatal vicissitude, humanamente indigna, elas são mais conhecidas e reconhecidas (quando boas) do que esperávamos ou esperamos.
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