BEM-VINDOS

Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O Laxismo Diletante Contra O Rigor Literário

(ou a Arte suportada por dois ditos populares: "Quem te manda sapateiro, tocar Rabecão?" e "Tudo enfada, só a vaidade recreia") por Daniel Cristal

Muita vez me confronto com esta dúvida: se vale a pena pensar poesia, discorrer poesia, explicar poesia, contestar poesia. É uma situação em que, quem fala torna-se suspeito porque a pratica ; quem ouve - recebe com olhar vesgo e de soslaio, olha de lado, porque quer chegar à luz da ribalta, e ser reconhecido sem muito trabalho de permeio. Há aprendizes que pensam ter encarnado Rimbaud, esse génio meteórico, precoce, que apareceu (em Paris, onde vivia), e logo convenceu toda a elite artística, no final de sua adolescência... Um prodígio! E é curioso que foi tão aceite e acarinhado pelos jovens que o jubilaram, que logo desistiu, partiu, abalou para outros horizontes, e foi enriquecer no Oriente Médio, lá instituiu o seu harém, constituiu uma frota de camelos, e viveu como um nababo, um paxá, sem se importar mais com a poética.

A mim, parece-me que um dos cernes da questão está mesmo aqui: em que para se ser mestre, tem de se conhecer as regras, as normas, as técnicas, as teorias e o conhecimento, tudo isto junto e parcelado, e depois destas aquisições do aprendizado, preciso é exercitar muito para que se consiga ser apreciado, amado, e adquirir finalmente o mestrado.

Muitas vezes me vem à ideia ou me passa pela cabeça, ou se quiserem me põe a magicar esta imagem: não conhecendo as normas, técnicas teóricas e práticas da Arte musical, não tendo estudado música minimamente, o que vou eu fazer num teclado de um piano? Há quem consiga tocar flauta, gaita de beiços, viola ou violão, concertina ou harmónica, tão só de ouvido, numa pura imitação do conhecido e experimentado pela sensibilidade. Criar, isto é outra coisa. Não chegam lá os imitadores; podem ainda fazer uns trechos musicais que se assemelham ao conhecido, sujeito a alguma originalidade; mas ser Artista é toda uma outra coisa que não cabe em nenhum improviso! Vou ao piano, chego lá e ponho os dedos sobre as teclas. Toco e toco. Sai tudo errado, ninguém gosta, quero fazer crer aos outros que sou dotado, barafusto que tenho talento e sou génio, que sou prematuro, precoce, que sou superdotado... que sou revolucionário, sou rebelde, sou dissidente, sou uma força viva da natureza em estado virgem; grito que não preciso de normas e regras e estudo, que elas não servem para nada, e convenço-me, se não gostam do que ouvem, o defeito é de quem ouve, e não de quem tecla, porque meu receptor é atrasado mental, bota de elástico, velho convencido, invejoso, rabugento...

Mesmo conhecendo as regras, os que ascendem ao escalão de mestres, têm de ir mais longe; têm de optar por caminhos novos; por formas originais ou renovadas, senão a sua arte fica redundante, maçadora, estéril, puerilmente encantatória, irreconhecida pelos entendidos na matéria exercitada. A procura de novas formas, ritmos, sonoridades, imagens, a definição pela maturação dum estilo pessoal, pela definição rigorosa dum idiossincrasia peculiar, é a vida do mestre-criador. A obra-prima possui sempre uma expressão original e identificação peculiar. Precisa de ser incomparável. Basta um só traço para a distinguir e reconhecer de qualquer outro criativo. Uma luta árdua trava-se então para arredar o cliché ou a manifestação artística poluída ou gasta, até que de repente o criador se mostra seguro da sua mestria. E consequentemente um novo mundo artístico de desenha e desenvolve no seu imaginário, cada vez mais facilitado pela aprendizagem consciencializada a que não é alheia a retenção constante de novos contributos, extraídos de cíclicas renovações conceptuais de arquétipos metamorfoseados.

Picasso e Dali foram dois génios, dos melhores do seu tempo, porque eram perfeitos na pintura figurativa e impressionista; desenhavam classicamente como nenhum outro dos seus pares, qualquer objecto; retratavam-no na perfeição, e só quando se apropriaram integralmente de todas as regras, normas, técnicas, teorias, lançaram-se então (ainda muito jovens) na sua própria Arte particular, pessoalíssima, e foram aceites como paradigmas de uma época, caracterizando uma revolução de formas e conteúdos.

Em parte, agora evocando o segundo dito popular, transcrito em epígrafe, e já que foi editado pelo meu amigo Valdez (do Ateneu), Mário Quintana tem razão: "é melhor deixar poetar quem não sabe, do que deixá-lo frustrado a ruminar maus presságios e criar dores de inadaptação". Mas isto é um acto benemérito, solidário, de benquerença. Todavia, ele tem, como afinal tudo na vida, o reverso da medalha: também é um meio de criar ilusões a quem vai, no futuro, sofrer decepções, viver duramente frustrações, por não ser notado no trabalho que faz, nem amado! No entanto, há que dar chance aos que querem tentar e se vão esforçar por ir aprendendo. Com uma aprendizagem metódica e apurada, consentânea com o seu estatuto, vão-se aperfeiçoando para seu bem e prazer de nós todos, nós que precisamos da Arte para sobreviver num mundo enfadonho e triste, e decepcionante e ingrato, às vezes asqueroso e acanalhado. É ela que suaviza todas as amarguras da vida. Que não é fácil nem muitas vezes pródiga a existência, mas também é certo que nela podemos ser felizes, se soubermos enfrentar a adversidade e a agressividade munidos duma, mais ou menos forte, sapiência, colhida e acumulada ao longo dos anos de frustrações e sucessos.

Há outra ideia que me vem assaltando a mente frequentemente: quando começamos a ler uma poesia ou prosa, logo que lhe pegamos, notamos algo diferente (ou não); algo que nos agrada, nos seduz; basta ler os dois primeiros versos, as duas primeiras frases. Ficamos logo colados, atraídos por qualquer aroma de magia. Ora, é este primeiro contacto que define a poesia e a prosa excelentes. Não se julgue, porém, que escrever seduzindo é tão fácil como isso! É exactamente o contrário: demora horas e horas, semanas e semanas (às vezes meses); é um exercício de grande paciência, de suor vertido com algumas "lágrimas" de dor e de amor! É um constante refazer, retocar, nunca se considera perfeito. Lê-se, relê-se em voz alta, voz baixa, murmura-se, até que no fim podemos verificar e certificar que está tudo tão simples, fácil, entendível, cristalino, que parece ser a própria simplicidade natural, a mais cativante, e à qual facilmente todos aderem.

Técnicas, caros leitores, devemos aprendê-las todos os que querem ascender a mestres ou exercer uma actividade artística. Mas ela não chega, todavia, para se ser genial. O génio é também um dom; pertence a alguém dotado, que recorre a aprendizagens constantes e a exercícios longos e aturados (é um trabalho de forja, de lapidação, de espaço de estudo, compenetração e burilação). São exercícios de experiências e mais experiências, de cortes e recortes, colagens, e de abundante lixeira à qual lhe deita fogo de vez em quando. A Arte é uma escola de atributos e qualidades que recriam e recreiam, o Poeta ou o Artista pode, quando muito, querer dar a mão aos interessados na aprendizagem, por simpatia e generosidade. Coisa que até nem é obrigatória! Alguns mestres põem essa ideia liminarmente de lado, por ser uma postura que também contém defeitos muito negativos, insalubres, e com frequência efeitos muito perversos!

E pergunto-me ainda hoje: porque é que os/as "poetas" assim auto-intitulados, não escrevem prosa, e em vez de frases recortadas, paralíticas e trôpegas mal metrificadas, que não provaram a escanção, não editam textos em prosa? Leio textos que seriam belíssimos, se não quisessem aparentar o que não são. Às vezes até faço o inverso, como exercício lúdico: um texto poético transformo-o em texto dito prosa poética, e ambos ficam rigorosamente iguais no seu conteúdo, e tanto emocionam duma maneira como doutra. Será milagre da natureza? Quem estiver atento à transformação chegará à conclusão (estou convencido sem vaidade no que digo), que é um exercício jocoso e sub-reptício para ditar algumas lições, chamadas, vulgar e modestamente, dicas. René Char foi mestre no poema em prosa. Herdou-o do genial Charles Baudelaire. Vale a pena ler e estudar ambos. Os seus minitextos são de facto exíguos, mas significam, nomeiam e arrebatam o mundo todo, os fonemas e os signos respondem-se uns aos outros permanentemente, o ritmo é fabuloso…

Assim é entre outras composições, o soneto, as redondilhas, as trovas, cada texto lido ou cantado pode ser uma obra-prima.

O soneto, é a jóia da Literatura, a meu ver. Uma obra perfeitamente acabada, capaz de ser dita e cantada com ritmo perfeito, cadência impecável, com as sonoridades adequadas à expressão do sentimento e da emoção nas línguas românicas, preferencialmente nestas, mas também nas anglo-saxónicas… Se o trecho significante for, de igual modo, bem significativo, se a demonstração implicar e evidenciar um bom domínio, no respeito pelas suas intrínsecas regras estruturais de metrificação e rimação, e for complementado ainda pelas extrínsecas forças vocabulares, as que compulsam as ideias num recurso a uma variada gama de figuras de estilo do domínio da semiótica, então estamos pela certa em presença de algo valioso. Algo que sai da vulgaridade e pode causar e produzir o arrebatamento emotivo.

Inspiração não chega, diz o meu amigo escultor José Rodrigues, um dos nossos melhores escultores portugueses hodiernos. É só um por cento do trabalho, quiçá o mais importante, 
sendo certamente a marca do génio. Porém a Arte exige, outrossim, muita transpiração! É também e especialmente a parte restante (99%) que completa a obra de Arte - o suor e o trabalho não rogados. Ele não diz, como eu digo, o meu amigo escultor, mas quer dizer, sem margem de dúvida, a mesma coisa. A ordem das palavras (ele diz assim " uma obra de Arte nasce e desenvolve-se com 1% de inspiração e 99% de transpiração") e o contexto é que são diferentes. Ele fala no seu ateliê, eu falo em campo aberto. Ele fala para aprendizes que querem aprender. Eu falo para todos os que me lêem e desconheço o interesse que eles dão a estas matérias literárias...

Quantos têm pensado nisto? Os do ofício, ainda que amador, certamente, estão comigo!