BEM-VINDOS

Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

As minhas Cinzas- Daniel Cristal


Quando eu morrer na bela metamorfose
que um dia me espera, só porque sim,
deitai-me para minha e vossa sorte
ao rio de mim que nunca teve fim!

Não apodreço na campa obscena
lançado à cova com todos os danos,
espectáculo banido já desta cena
para castigo dos eternos gusanos!
 
É isso que vos peço, familiares,
Amigos, conhecidos, alguns amores,
deitai-me ao rio que desagua nos mares
quebrados os fios das minha dores.

Às cinco da tarde, hora precisa
contidas as cinzas numa cesta de cana,
ainda melhor se houver uma brisa
por cima da antiga ponte romana…

Não quero apodrecer num mar de lama
podendo ainda reacender qualquer chama!

O rio da Graça é o local ideal,
Numa jarra de mármore ponham um cravo,
Que seja vermelho da terra natal,
Nascido e crescido em qualquer quelho!

Não rezeis, não, eu deixo um Requiem
Para ser declamado neste acto d' amor
- Que é o regresso à terra-mãe
À qual sempre dei o sumo valor!

Não quero apodrecer num mar de lama
Podendo ainda reacender qualquer chama!

A jarra de mármore vai pró jazigo
Da família paterna, e copiada
Noutra igual com as palavras que digo
Prá família materna, também muito amada.

Cerimónia simples sem choro ruim,
Sentir-vos-ei queridos em terra-mãe
mais dia menos dia perto de mim,
e verei neste acto a vós também…

Não quero apodrecer num mar de lama
Podendo ainda reacender qualquer chama!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

ESTÉTICA # INESTÉTICA - Daniel Cristal


Muita da obra artística do nosso tempo é falcatrua, diz Vasco de Graça Moura. Indiscutível, tal afirmação. Boa verdade. Os críticos avisados têm essa percepção, mas o que é curioso é que quem a tenta (a falcatrua) encontra sempre uma pequena plateia de admiradores. Vá-se lá saber porquê (?). A ousadia, mesmo pateta, consegue resultados práticos, ainda que efémeros.

Interrogo-me se tudo não é ilusório como a existência da vida... Como em tudo, há um enigma indecifrável, mas que é especulado a torto e a direito, levando isto, ou não, em consideração.

Neste recente fórum mundial de inter e intra-actividade que privilegia a exposição na Internet dos trabalhos dos poetas, há uma nova descoberta, até aqui jamais vista e sentida. Falo naturalmente da chegada recente dos computadores pessoais e a sua globalização. Há uma forte interacção - entre os artistas e os leitores. O criativo pode estar diariamente a aferir o alcance da sua produção; a sua auto-confiança, auto-estima e amor-próprio aumentam pela aceitação do que produz por parte do receptor, especialmente quando ele se manifesta ou divulga a peça de que gosta e a comenta. Torna-se fiel pela via da inter-relação que estabelece no imediato ou no dia.

E o que mais sobressai, a meu ver, neste percurso dum autor que se quer relacionar no espaço virtual, é este novo modo de contacto, leitura e audição, que abarca depressa uma navegação por vários oceanos com milhões de curiosos; estabelece entre receptores e emissores laços de intimidade, cumplicidade e aproximação, gerando-se uma expressão de gostos, que influenciam positivamente um autor criativo, aberto ao mundo no qual vive.

E isso obriga-me a algumas reflexões: a fama de um poeta não é tão entendível quanto à primeira vista se pode crer. É um produto de muitos mistérios, de muito misticismo, de uma áurea criada que não se sabe, na maior parte dos casos, de onde provém, nem como acaba. Foge à razão, boa parte das vezes. Foge ao reconhecimento linear, é produto de vozes sibilinas oriundas do fundo da terra e que se colhem no mar, de ocultas potencialidades e de muitos sopros para-normais, outros que até serão facilmente observáveis se estiverem demasiado expostos pela origem da voga modal. Mas também há os que se evadem destas conclusões por um marketing estudado e eficaz.

Quantos poetas se tornam obstaculizados por forças dominantes, e outros se afamam por movimentos culturais que os escolhem, não sendo, porém, os mais valiosos numa hierarquia reconhecida pela grandeza duma estética criteriosa.

Creio que um dos mais claros óbices à aceitação, no caso da Poesia, nem é tanto o recorte com que é produzida, mas a escolha da linguagem que deveria acautelar a sua novidade, isto é, o seu impacto está muito dependente da surpresa na revelação da invenção frásica ou figurativa, e a apreciação do signo novo ou renovado num contexto original ou numa realidade transfigurada. E neste sentido, afirmo que há poetas que não têm o seu lugar ainda conhecido do grande público, nem reconhecido, contudo, são poetas de inegável valor. Recordo neste momento uma grande poetisa brasileira, quase desconhecida, que é uma maravilha de ser lida: Ana Merij, grande admiradora de Affonso Romano de Sant'Anna; repentinamente aparecida na Internet, também assim desapareceu sem deixar rasto.

Ao ler alguns poetas da moderna geração, assalta-me uma dúvida. Porque é que se desleixa o recorte e o verso metrificado? Por ignorância teimosa ou diletante? Porque se faz um verso com treze sílabas, seguido de outro com uma ou duas, e logo a seguir constrói um de cinco e outro seguido de catorze? Dir-me-ão que suporta a cadência do ritmo pessoal (goste-se, ou não se goste!). A verdade, porém, é que o Belo reúne a maior parte da humanidade à sua volta. Ele tem um percurso, com princípio e meio, possivelmente sem fim à vista. Todavia tem-no, e descurá-lo é a pauperização de conceitos e técnicas. E só por isso insisto na aceitação do que assim é considerado. E também concluo suspensivamente: é preciso estar atento ao comentário do leitor mais avisado. Ele ajuda a que se vá ao seu encontro, numa relação de 'feed-back' constantemente actualizada e melhorada.

Transcrevo um fragmento duma crítica laudativa de Eugénio de Andrade, de Carlos Mendes de Sousa, in «Cadernos de Sarrúbia», o seguinte extracto:

«A composição curta e a brevidade dos versos, encontram o mais acabado isomorfismo na escassez da paisagem da «ilha», poema que é, no livro, síntese e espelho da escrita nítida e despojada, na melhor tradição clássica:

A terra é magra.

Um sol de palha cobre a ilha

- e tudo é ilha à nossa roda,

espaço curto, amargo.

Para cuspir,

ou beber de um trago.»

O que aquele crítico quer dizer é que a tradição clássica é uma referência incontornável ainda nos nossos dias. A poesia de Eugénio é uma das que se mantém numa mescla de medievalismo e parnasianismo, purista na essência, mesmo que o recorte não seja mais o verso metrificado no paralelismo do acento tónico da sílaba preponderante, encaixado na simetria rítmica do conjunto em cada composição.

Poderíamos citar centenas de composições para reforçar a ideia de que é a linguagem que prevalece na Poesia. Debruço-me sobre este fragmento de Sophia de Mello Andresen:

«Apenas sei que caminho como quem

É olhado amado e conhecido

E por isso em cada gesto ponho

Solenidade e risco.»

in Obra Poética (Ed. Caminho)

Em quantos recortes poderíamos nós visualizar este trecho de Sophia, e em quantas combinações, e em quantos sintagmas? Porquê esta escolha?, poderíamos perguntar. Mas a poesia é dela, só ela a soube escolher, e só ela poderia explicar, se a isso se dispusesse. Poderia simplesmente dizer: não há explicação possível, a Poesia não se explica. E estaria no seu direito. Apenas, o leitor poderia ficar decepcionado pela falta de explicação, e reclamar, se também a isso estivesse disposto.

Parte do que foi dito leva-me a dizer que a Poetisa escolhe a sua própria respiração ou a respiração cadenciada da própria frase, e recorta-a por segmentos: sendo os circunstanciais deixados como versos soltos, intercalando outras vezes nestes expressões do modo ou tempo, causa, circunstância ou fim, ou uma sóbria característica destacada pela plurissignificação semântica num subsequente sintagma solitário; não descurando, como regra, o exercício musical da sonoridade apropriada, e sem, como regra, a ela estar obrigado.

Avançando agora para a correlação temática ao nível da Estética: as Artes andam todas de mãos juntas. Quando uma evolui numa determinada perspectiva, ou segue para novas vertentes, normalmente todas elas se aproximam ou associam. A evolução não se dá ao sabor do génio, mas ao sabor de todo um conjunto de evoluções naturais do ser humano e de tudo o que o envolve, ou, diria melhor, na ordem ao contrário. Os progressos na Ciência criam novas dependências na existência que se lhes adapta. A própria evolução mística e ideológica cria novas possibilidades de avanço na repercussão do homem tendo em conta a sua relação com a natureza. Deste modo, a Arte acompanha todos estes movimentos abstractos de avanço e de recuo. Mas, também não é facto único, nem pioneiro, a Arte tomar a dianteira, através da genialidade de um criador, artista ou filósofo. O romantismo começa com o 'Clair de Lune" e com a "Sonata Patética" de Beethoven, logo seguido na Literatura por Johann Wolfgang von Goethe, e o realismo com Charles Darwin.

Muita da obra artística do nosso tempo é falcatrua, disse, e repito, Vasco de Graça Moura. Indiscutível, tal afirmação. Boa verdade. Os críticos avisados têm essa percepção, mas o que é curioso é que quem a tenta (a falcatrua) encontra sempre uma pequena plateia de admiradores. Vá-se lá saber porquê (?). A ousadia, mesmo pateta, consegue resultados práticos, ainda que efémeros.

As formas de Arte que mais evoluções e revoluções têm sofrido ao longo da História, são a Pintura, seguida da Escultura, creio eu. A sua origem e o seu objectivo, mesmo que ocultos, são propícios à modificação e à metamorfose. Agrada à vista. Mas a Poesia e a Música são distintas na sua génese, recurso aos meios e funcionalidade. A Poesia não vive só da audição, alia a visão à audição, ainda que, até à segunda década do século passado, fosse esta faculdade o seu principal suporte tradicional. Mas isto não quer dizer que não se enverede por outras vias de funcionalidade e destino diferenciados, porque a Arte é filão que nunca se esgota. Quando muito pode é banalizar-se. De tanto querer subvertê-la podemos chegar ao impasse do contraditório. O que está revolucionado, vive constantemente da e na rotura, e torna-se também estagnado. E, se isto acontecer, não haverá mais conceito de revolução; consequentemente, nesse impasse, só a dialéctica poderá reequacionar o que parou no tempo.

Efectivamente, o que se pode interrogar, na Arte moderníssima, é se ainda há uma Estética, ou se se está a criar um conceito novo: o da Inestética. Uma Inestética que se dilui no seu próprio conceito operacional e tende à exaustão e à confusão pela falta de padrões estéticos ou uma análise valorativa da criação artística. Muito se tem especulado sobre a peça "Fonte" de Marcel Duchamp. Um urinol com um título e uma assinatura é no mínimo a rotura com toda a Estética e com o gosto artístico, e conduz a sensibilidade para a banalidade; a sua vulgarização leva-nos à anestesia da conceitualização da diferença e da graduação.

A canção moderna comprova a evolução poética. A ousadia na alteração de ritmos outrora fidelizados, ao juntar e harmonizar o que dantes era separado, e inseparável, é uma vertente comprovada por quem está atento à forma em que está trabalhada. A Música, até a erudita, caminha nessa vastidão que é a desarticulação do que antes era muito regrado para não destoar ou desarmonizar; também nesse percurso há uma via para a descoberta e para exercício experimental.

Tudo começa, ou deveria começar, por uma aprendizagem, ou seja, pela descoberta das técnicas que sempre regeram a obra de arte. O grande revolucionário da pintura moderna, Pablo Picasso, teve necessidade de teorizar acerca da sua própria arte, e foi na teorização que ele mostrou o quanto aprofundou em conhecimentos do Ofício escolhido e exercitado. Foi essa teorização que o deu a conhecer, e fez entender o que produzia. A partir daí compreendeu-se melhor a sua obra, e, por esse procedimento, abriu o caminho seguro a um escol de artistas famosos que se lhe seguiram.

Ilustrando este mini-ensaio com algumas curiosidades, direi: as fases experimentais de Picasso são muito interessantes para ajuizar qual é o curso de um percurso num processo revolucionário. Quando se compara com a arte de Salvador Dali, verifica-se que os dois são génios pelas suas particularidades genéticas, e a palavra génio não quer dizer deus ou semi-deus, mas sim o homem talentoso que consegue imprimir na obra a sua particularidade genética diferente e única, sendo digna de admiração globalizada; génio tem a ver com gene, genética, e só com uma grande dose de abstracção poderá erguer-se ao nível do mitológico ou do divino.

Contudo, termino como comecei: a intercomunicação, o constante diálogo, imediato, entre artista/artista e artista/leitor parece diluir a liberdade individual dispersa, essa que pode conduzir ao alheamento do prazer estético nos receptores, sendo este o risco que a Arte corre hodiernamente. Se um artista propõe uma peça considerando-a estética, o receptor está no seu pleno direito de recusar a proposta e considerá-la com pouco ou nenhum valor artístico. E na consequente reflexão, todos teremos certamente algo a aprender uns com os outros no processo do fazer contínuo.
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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Para Luzia Ramos - Daniel Cristal

 
No meu coração mora uma estrela
muito brilhante (e é pequena)
tão pequena que é grande só de vê-la;
tem a pele de seda muito fina...
 
Ela tem a varinha de condão
(essa grande estrela pequenina)
e habita feliz no coração,
este seu coração que me anima.
 
Quando ela cintila vejo o luar,
um botão a florir tudo o que almejo
e o seu ramo verde sabe a mar.
 
O que vejo merece um longo beijo,
o meu maior carinho de emoção,
a rendição de amor do ser beirão.