BEM-VINDOS

Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

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sábado, 21 de março de 2009

Primavera - Daniel Cristal


A minha Primavera é o teu sorriso;
por isso, não tem tempo, não tem ano,
nem na cronologia qualquer dia.
Ela é a alegria dentro do ser sano!

Pode mudar o tempo, pode até mudar
as rotas do Rei-Sol, a translação
de estrelas e cometas, que o teu olhar
traz os prazeres da vida ao coração.

Ela anula as dores cruéis do corpo e alma
transforma o que é triste em alegria
na dádiva do amor - a imensa palma
que traz felicidade ao dia-a-dia.

Logo, o teu sorriso é a Primavera
que gera a alegria duma espera!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Recomeço - Daniel Cristal


Quando um amigo morre, a esquerda
do corpo lacrimeja, e a direita
festeja. Sensação esta bem estranha
de chorar-festejar, seja o que seja.

A morte está à esquerda, e a vida
à direita, e haja azar ou sorte,
o curso segue sempre com um fito:
recomeço de tudo noutra forma.

E se o que está à esquerda é pueril,
a dextra é tão eterna e vigorosa
que torna a natureza veranil ! *

É humano chorar poesia ou prosa,
mas não há qualquer perda numa morte;
há sim a esperança doutra sorte.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Escrava Doce - Daniel Cristal


És escrava doce para sempre minha! 
És pedinte rica e me dás o mundo, 
com acenos trazes a voz que alinha 
no mar do gozo, onde me abundo fundo. 

Falas à minha alma segredos ledos 
e eu fico doido por ti e tento
beijar-te em qualquer jardim. Meus dedos 
afagam logo teus seios e baixo ventre... 

Reduzo-te à ofegância tecida 
da ânsia confundida com amor 
e fremes... gemes prazer que me atiça 

Ficando prenhe de emoção, escrava 
da minha lavra. Eu escravo fico 
do usufruto, pleno do teu sorriso... 


quarta-feira, 18 de março de 2009

Perscrutar o Céu - Daniel Cristal


Não há mistério nenhum, mas só a constatação: o mineral serve a flora, a flora serve a fauna, e estes servem o Homem, que por sua vez serve a entidade energética divina. Serve-a na expansão evolutiva. Todos os seres vivos ( incluindo os minerais) estão dotados desta centelha energética poderosa e cumprem a sua função de continuidade, renascimento e transformação. Renascem, aperfeiçoam-se, atingem estados de maturidade, seguindo-se a decadência, e morrem para que se cumpra um novo ciclo. 

É uma inexorável força que existe para esse renascimento, crescimento, subsistência,  reprodução, apego à vida enquanto útil, e abnegação no cumprimento de todos estes desígnios. 

Não admira, por isso, que o Homem viva, desde a sua origem, a olhar para o céu. Porém, olhar não basta; há necessidade de perscrutar também com a sensibilidade toda essa abrangência para distinguir o que está mais além e mais aquém, fora e dentro de nós na partilha incessante. Há leituras de visões que só o sentimento aliada à capacidade psicológica para identificar, ajuda a descortinar.

terça-feira, 17 de março de 2009

Eu Amo-Te - Daniel Cristal


Expresso hoje a frase mágica e pura
Que abre o coração da Humanidade...
É no fundo a conta que se apura
Por não ter sido dita de verdade!

Não só quando a verdade é imperiosa
Mas também quando ela é a grande prova
Da ternura e carinho que são glosa
Do mote que nos faz a trova nova.

Devo hoje a expressão desta ternura
Que pouco ouvi na vida e me é devida
Para que a minha alma seja pura.

Mas se pouco a ouvi, a faço ouvida
E digo-a em abundância com carinho
Para que haja Amor no meu caminho.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Psico Heteronímia - Daniel Cristal


Quando me olho ao espelho, vejo o ego
Que se reflecte em mim: sou mesmo eu
Com emoções primárias, e não nego
Que respondo por mim; sinto-me meu.

Mas se estou com os outros, eles são
Sala de mil espelhos deformando-me
E eu me posiociono na razão
De ser um entre todos balançando-me...

Porém, eu não queria ser o próprio ego
Com que me olho ao espelho: um primata!
Também evito ser condicionado!

O que desejo ser é não ser cego,
Desejo-me perfeito: outro arcanjo...
Ele é quem me arrebata e me mata!

domingo, 15 de março de 2009

Obrigado - Daniel Cristal


Obrigado às mulheres da minha vida
que a tornaram doce e tolerável;
mulheres que, com ternura e o gesto afável,
obstaram à paixão, nova ferida.

Obrigado a todas! Cinco raças,
magras e gordas, grandes e pequenas,
lindas e feias, louras e morenas,
as muito puras e ainda as mais devassas...

Obrigado a todas, todas essas
e algumas das quais não mais recordo,
mas às quais já não peço quaisquer meças.

A elas reconheço, quando acordo,
o prazer de estar vivo com ternura,
esta que erradicou toda a amargura.

sábado, 14 de março de 2009

Fernando Pessoa Foi Tocador(a) De Lira - Daniel Cristal


Começo este apontamento com um alerta: tudo parece até que nada tem a ver com poesia, mas definitivamente, tudo tem a ver com ela, quer se queira, quer não. Parecer é ser. É um pouco como a utopia: hoje ela é verosímil, amanhã uma realidade. É o sonho que transforma tudo, o acaso determinado, a intuição episódica.

O que levou Júlio César, imperador romano a evitar em tribunal a condenação do seu súbdito Publius Clovis, mancebo apaixonado pela sua segunda mulher, a bela e elegante Pompeia Sula, é um daqueles episódios que prendem a nossa atenção e obrigam-nos a reflectir. Recordo o episódio: este introduziu-se nos salões da casa daquele, disfarçado de tocadora de lira para compartilhar os festejos da Bona Dea (a boa deusa), uma festa orgíaca exclusivamente frequentada pelo sexo feminino, na época de então. Foi a demagogia de um imperador que temia ser desconsiderado pelo povo, pois Publius não tinha consumado o acto da cobiça, por ter sido descoberto pela mãe do imperador, Aurélia. E como o adultério não se consumou, e o acto sacrílego não era assim tão imperdoável, numa festa pagã, sobretudo profana, dado não haver consumação do seu plano astucioso libidinoso; Publius foi absolvido, ante o testemunho prudente de César no Tribunal. Aí disse este que nada tinha nem sabia contra o arguido. Mas a verdade é que César divorciou-se de Pompeia por causa desta ocorrência, e de outras no género provavelmente. Satisfeitos com a decisão do Tribunal, os senadores consideraram o acto vantajoso para todo o Senado dominante, pois não convinha desagradar ao povo, que tinha tomado posição pública a favor de Publius.

Desenvolvendo a ideia: a gleba romana não teria gostado de ver Publius condenado, devido ao órgico acontecimento mundano, e também levando em conta e consideração os factos apurados. Descoberto do seu disfarce, Publius, apesar disso, não cometera nenhum sacrilégio aos libidinosos costumes da época nem consumado a traição ao imperador, pois não teve azo de consumar o acto de envolver-se na orgia feminina, com a mulher do imperador. No meu soneto dedicado a Fernando Pessoa, o recurso à frase - parecer é ser - associa e distingue os dois comportamentos.

Visto noutra perspectiva (a mais benévola) o que parece, pode não ser, e até pode ser fingimento ou recurso teatral. Contudo, culturalmente, e, na perspectiva malévola, sendo a que prepondera, há aforismos populares parecidos com este na nossa ancestralidade, tais como: «Quem não quer ser lobo, não lhe vista a pele», contrário ao «O hábito faz o monge».Como se vê, há verdades que se dizem e contradizem. 

Associando toda esta temática histórica e aforística, à poesia de Fernando Pessoa, este afirma que o poeta finge tão completamente, que julga ser dor, a dor que deveras sente; neste quiasma: fingir a dor / e senti-la deveras, a que é realçada é a dor sentida, pois ela é igual à fingida - parecer é igual a ser. No fundo, Fernando Pessoa explica melhor esta problemática dual no Livro do Desassossego. Ou seja, para expressar a dor o comum mortal socorre-se das palavras vulgares que a caracterizam desde sempre , e é assim toscamente que faz o artífice estético normalmente. Isto é, assim faz o artífice que não se individualizou na Arte. Com efeito, ao mimetisar essa expressão banalizada, esta já não expressa com propriedade a dor que sentimos, porque esta é indefinível, e está gasta pelo uso (seja, tornada cliché), sendo preciso reinventá-la por outra expressão que a sugira com mais propriedade numa indução estética, produto de forçosa genialidade.

Este episódio veio acrescentar às frases célebres de pessoas notáveis, esta nova fórmula frásica para justificar um divórcio, que tinha alguma razão para existir, ainda que mal entendida pela sociedade latina: «Não basta ser, é preciso também parecer», ou seja, à mulher de César não basta ser honesta, é preciso também parecer .

É de notar que um crítico conceituado na nossa praça, António José Saraiva ficou a detestar FP, quando antes disso o glorificava, no momento em que este disse: finjo tudo o que pareço e sou, ainda que dito por outras palavras. Abominou-o e amaldiçoou-o. No entanto, o grande Miguel Torga, esteta de primeira linha entre os Poetas portugueses, além de outros com grande qualidade, considerou-o, o Poeta da Poesia. No cômputo geral, para a grandeza de um artista, são as almas raras e excelsas que balizam os marcos duma época, e não as críticas pouco ponderadas e sem grandeza que esporadicamente lhe possam fazer; estas, as redutoras, são resultado de acções de duvidosa proveniência, de saber mal digerido, e espelham os preconceitos dos detractores ocasionais.

Pessoa disfarçado de tocadora de lira? Seria verosímil, porém, não foi realmente, presumo. Provavelmente, imaginou-se e acreditou também ser, porque fingindo também se é. Se Celsius fingiu ser mulher tocadora de lira pelo disfarce, Pessoa fingiu uma dor, que deveras sentia, pela paixão que tinha por uma imaginária Pompeia, parecida ou não com a imperatriz real, a musa que não conheceu, mas que neste caso até podia ter-se confundido com a Ofélia, a namorada de ocasião, uma hipótese que não adiantou nenhum compromisso, porque o seu casamento limitou-se à paixão pela Poesia, pelo conhecimento e pelo saber. A estes domínios espirituais, sacrificou tudo, a vida até, e em conclusão a existência que ora lhe era tediosa, ora desassossegante.

Desviando-me agora para enquadrar FP na sua época: a tentativa de descoberta da alma portuguesa nos seus aspectos psicológico e sociológico, foi tratada com algum desenvolvimento na revista Águia (*) , da qual Teixeira de Pascoes era director. É nesta revista que se esboça um novo sonho: a desejada obra civilizadora do V Império. É muito interessante a relação entre os dois poetas: Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa. Aquele jubilado, este emergente. A poesia do Mestre é cerebral sem a cegueira visionária do seu contemporâneo TP; inspira-se nos Mestres Edgar Poe e Mallarmé, e admira Camila Pessanha, Cesário Verde e António Nobre. Da Águia liberta-se e renasce no Orfeu (**) que o faz avançar para o futurismo. Convém frisar, a título curioso, que Pascoes não gostava de Pessoa como Poeta, e na ocasião do rompimento, disse que nunca o considerou Poeta, mas apenas prosador, ensaísta incompleto, às vezes genial. Do mesmo modo, FP pouco valorizou a sua obra, nunca a elogiou de modo aberto e desenvolvido, às vezes até ironizou sobre ele; não tinha em suma particular afeição por ela, e considerou-o um exagerado torrencialmente saudosista. Mas, no fundo, FP foi buscar muitas das suas ideias a Pacoaes para criar e recriar o seu mundo múltiplo quase sempre em contra-posição.

Há quem se introduza na visão de FP, como faz uma aventureiro místico à procura do Santo Graal. E de tal modo se dispersa, porque encontrar coerência onde ela não existe, e é isso que caracteriza o mundo, a sua multiplicidade, que se assistiu por exemplo a Agostinho da Silva a dizer de FP aquilo que nunca foi dito pelo Mestre. Tratou-o como apóstolo (Um Fernando Pessoa, Porto Alegre, 1959), como um ultranacionalista e desenvolve um V Império que nada tem a ver com o de Pessoa, assim como pretende vê-lo um cristão da sua estirpe, que não foi, diga-se em abono da verdade ideológica, e delira com desenvolvimentos inventivos num mundo inventado. 

A obra de FP não pode ser escalpelizada por critérios puramente portugueses: ela ultrapassa a visão nacionalista ( a Mensagem é a expressão de um lusitano genuinamente arquitectada e redigida para um concurso nacional) - e por tal facto restringiu-se a um objectivo bem definido. Ela situa-se num âmbito universal e bebe em fontes relacionadas com os autores gregos, latinos, ingleses, alemães, franceses, caucasianos e orientais; ela não revela uma coerência de pensamento (ele dizia-se múltiplo): revela sim uma torrente inesgotável de gotas que tendem a formar um rio, onde tudo pode suceder, tudo pode ser visto e revisto, e expõe-se a uma infinidade de interpretações. Era isto que ele queria ser, o todo que ninguém abarca, um deus invisível, sentindo tudo, mas perene na evolução. Talvez tenha conseguido tudo isso; só o tempo e a humanidade ajuizarão. E é curioso que os críticos, ao tentar entender as suas ideias e ideais, ficam siderados, e percorrem caminhos que ele nunca percorreu, ainda que os tivesse sugerido. Agostinho da Silva desvia os seus conceitos e dá-lhes corpo como se fossem os dele-mesmo, mas não são os do criticado; apropria-se só do que vem ao encontro do que ele pensa, fazendo-se discípulo do Mestre que o reprovaria certamente. O mesmo acontece com Jacinto do Prado Coelho. Este ao notar os desvios de Agostinho da Silva, envereda por outras vias na crítica que não se ajustam ao pensamento do Mestre.

É relevante ainda dizer, acho eu, que, outros enveredaram pela exegese da estrutura operada pelo Mestre (estou a lembrar-me de José Augusto Seabra), e, creio que, por este atalho, FP é mais inteligível, e mostra como ele opera a transmissão da sua Arte. Plena do domínio da estética poética, sincrónica e diacrónica, ninguém em seu perfeito juízo estético, poderá dizer que ela não atingiu o mais alto grau da Mestria. Desde as formas clássicas até às mais modernas, ele espraiou os seus saber e sensibilidade, e não será fácil destroná-lo. O que ainda é possível, é dar ao mundo poético uma outra vibração que não seja unicamente a racionalidade em termos absolutos. A humanidade também tem grandes momentos de emoção que valem a pena ser destacados. Porque o niilismo de FP é um ponto que pode conter a discordância dos que enveredaram pela Arte como edificadora, e há um aspecto importante que interessa divulgar: a Literatura pode gerar psico-arquétipos que ajudem à transformação da realidade actual, noutra mais evoluída.

Termino por transcrever uma frase que elucida bem a estética de FP, e que é mal sabida por boa parte dos poetas hodiernos: que dão somente valor à emoção (entendido aqui como falso valor ou intenção menor):

«A Arte é a intelectualização da sensação (sentimento) através da expressão. A intelectualização é dada na, pela e mediante a própria expressão.» E reforça-a na máxima de Álvaro de Campos: «Toda a emoção verdadeira é mentira na inteligência, pois se não dá nela. » (in Páginas de Doutrina Estética, pág. 168). Ou seja: ao exprimirmo-nos a emoção é traída ou falseada, e por isso há toda a razão para afirmar - para voltarmos à época do Império romano - com um pequenino golpe de magia futurista - Ofélia poderia ser ou vir a ser a Pompeia Sula.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Diferenças - Daniel Cristal


Numa mesa ao meu lado, há um homem
a somar algarismos como quem
multiplica os grãos que todos comem...
Apenas não os come quem tem fome.

Que faço ao seu lado? Risco sons,
descubro as sangrias no desenho,
cadencio a miséria pelos tons,
e não lhe desejo o que desdenho.

Ele esbulha o entulho e faz dinheiro,
porque da soma faz equações
que multiplicam euros num cueiro.

E eu sigo um navio aos abanões,
levo farrapos velhos cheios de orgulho
numa senda feliz que não esbulho.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Quando morre um poeta - Daniel Cristal


Quando morre um poeta, o planeta
sofre o abalo da lava encarnada; 
uma voz é calada e o alfabeto 
fica sem uma letra precisada.

Quando morre um poeta, não é só
o arcano que morre, é também
uma estrela que cai ficando pó,
a chorar como um filho por sua mãe.

Quando um poeta morre, há uma gota
que vem do mar, salgada com o sal
de sangue muito rubro, a linha rota
da colcha que foi bela sem igual.

Quando morre um poeta, o meu olhar
afunda-se na água desse mar.