BEM-VINDOS

Obrigado pela sua chegada; não se esqueça que é de AMOR AGAPIANO* que essencialmento poeto, também erótico quando a propósito de algumas circunstâncias episódicas nas mais diversas proporções. Como estou avança(n)do no tempo, não se escandalize, porque o que é preciso erradicar do Mundo é o preconceito secular, topo onde está preponderantemente a regressão da Humanidade neste percurso da condição humana, nem sempre adequada ao futurecer* do Homem, albergado corporalmente neste Planeta, sem saber com precisão, na generalidade, onde está a sua/nossa Alma. [ Obs. os astericos* assinalam dois neologismos da nossa Língua ].

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quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Um Amigo Salvou-me de um Afogamento


Era uma força arrastadora magnética que me puxava para o centro, sem que eu me conseguisse livrar do seu poder.
O Borges lá em cima do penedo a lançar-me a toalha comprida, e eu a agarrá-la com toda a minha força. O amigo a puxar, a puxar, ambos em pânico. Mas, ao cabo duma luta pela vida, lá se conseguiu salvar o mancebo do desastre fatal.
 
As temperaturas dos verões na capital do Norte, às vezes são tórridas. O escape ao calor sufocante é ir às praias e mergulhar na água fria do Atlântico.
 
No início dos anos sessenta do século passado, no Estio íamos às praias com um ou mais amigos. Do Porto à Foz é um instante. Naquele tempo os eléctricos resolviam-nos o percurso. Para ir ao a Leça e ao Cabo do Mundo era preciso um automóvel para o transporte nos caminhos de terra-batida, e aí havia menos embaraço. Quanto mais a Norte, menos veraneantes encontrávamos. A praia aí tinha e tem pequenas reentrâncias cujos rochedos abrigavam das nortadas os frequentadores. E era mesmo para aí que eu preferia ir, mas nunca ia sozinho, sem desprimor para a Foz que gostava também de frequentar. Aí chegados, despíamos a roupa e ficávamos em fatos de banho a bronzear a pele como lagartos a aquecer o sangue. Eventualmente dávamos uns passeios à beira-mar, olhávamos as garotas, e às vezes trazíamos mais companhia no regresso. O Castelo do Queijo alimentava-nos algumas imagens do Cavaleiro Andante, tornando este monumento mais exótico na nossa imaginação pelo simples prazer de o ter ao lado.
 
Por falar no Cavaleiro Andante que conquistava castelos no deserto como se fossem moinhos no Minho, nas Beiras ou na Estremadura, e era uma minha leitura obrigatória das estórias aos quadradinhos, convém também declarar que não perdia de igual modo a companhia do Mandrake, o mágico que fazia milagres em espantosas demonstrações.
 
Mas vamos à estória que me traz aqui: amigos há poucos, mas quando os há, há que conservá-los. Eles salvam-nos no pior momento dos riscos que corremos, quando estão ao lado ou por perto. São muitas vezes preciosos por nos darem a mão na ocasião de maior perigo. Apoiam-nos nos momentos incertos, nas indecisões, às vezes até se arriscam para nos salvarem das dificuldades. Pois, em conclusão, não ter amigos é um falta perniciosa para a vida em comunidade.
 
Narrando o episódio, foi assim: ali perto da foz do rio Douro no lugar chamado Cabo do Mundo, quase ao lado da Casa de Chá Restaurante Boa-Nova, onde foram esculpidos na pedra alguns versos pungentes de António Nobre, nesse dia decidi-me a mergulhar num mar mais ou menos agitado; ia comigo um colega do colégio João de Deus no Porto, que mal sabia nadar, mas que resolveu acompanhar-me para nos expormos ao Sol e recolhermos da queimadura um pouco de bronze.
E mergulhei nessas águas traiçoeiras.
Não sou exímio nadador mas faço à vontade uns cinquenta metros nadando de croll com regresso de costas. Contudo, depois de umas braçadas, senti que a água fazia redemoinho à volta do rochedo mais próximo e eu não conseguia livrar-me daquela força centrípeta.
A espiral resultante da corrente à volta do rochedo não me deixava chegar à praia.
 
Foi preciso o Borges alcançar o rochedo pela parte pedregosa que penetrava no mar e lançar-me uma tolha comprida para eu agarrá-la, firmar-me no penedo e subir a pulso a escarpa. As mãos sangravam no fim golpeadas pelas saliências das lapas e das arestas da rocha. Mas foi a minha sorte ir acompanhado.
Se eu estivesse sozinho certamente que seria vencido pela corrente, todavia com amigo por perto, foi a minha salvação.
 
Quando recordamos o episódio, o Borges ri-se, e eu também, mas na ocasião do acontecimento não foi nada divertido. Traduziu-se o evento num susto, que eu só reveria no mergulho às águas do rio Zambeze, também junto à sua desembocadura onde rabiam jacarés.
 
Por falar no Borges convém dizer que há amigos que nos acompanham desde a juventude até ao fim da existência. Conheci-o no Colégio João de Deus, e posfaciei na conta-capa um livro seu de narrativas, intitulado NÃO MATEM A ESPERANÇA, ambos fizemos em Coimbra a admissão à Universidade e fomos admitidos, cursámos juntos em Mafra um curso militar de Oficiais Milicianos, encontrámo-nos na guerra colonial em Mocímboa da Praia e Quelimane, retornámos ao convívio no Porto e em Gaia na idade adulta, nessa ocasião com famílias constituídas, e este laço de amizade continua hoje e só acabará quando não houver mais memória de nós, ou quando não houver mais memória simplesmente.
 
Por falar em Nogueira Borges, ele anda a tentar editar um livro na forma romanesca. E só ainda não editou porque os Editores não têm vocação para descobrir talentos.
E ele também acha que o caso de Miguel Torga é exemplar, mas é próprio do seu tempo: a competição naquele tempo era reduzida em comparação com a barafunda que vai no mercado livreiro da actualidade; hoje em dia, qualquer escriba mal amanhado desfruta de uma edição em papel em boas editoras, só porque apareceu algumas vezes na televisão num programa para mirones compulsivos ou numa revista que destaca escândalos ou aberrações sociais.
 
Concluindo o sumo da estória: a Amizade não tem preço nem é uma moeda de troca. É um bem precioso e generoso. Uma mão amiga pode salvar alguém dum acto de loucura, ou qualquer outra imprevidência, utilizando para o efeito qualquer instrumento que por ele seja segurado: um remo, uma corda, uma toalha estirada  até ao extremo na ocasião adequada, sujeito a precipitar-se na rocha húmida lodosa escorregadia, resultando desta tentativa de salvação um duplo desastre fatal.
  

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Ao Coentro de Pinho, ao amigo - Daniel Cristal

 
Exemplo de vida e de luta
igual não houve, incontestável...
já não falo da sua duração
que essa é, de longa, respeitável!
.
Falo de vida honrada, de nobreza,
dignidade, prestígio e singeleza,
que no trabalho foi forjada!
Deus o conservará, de tão falada...
.
Fui tão acarinhado, como Amigo,
que minha alma exulta de alegria
ao receber, de si, notícias pessoais
e outras, que leio nos jornais.
.
Gostava de ser também, pobre de mim,
esse exemplo que nunca alcançarei,
pois o meu foi tão atribulado
que só pode ser o que amei...
.
Amei o mundo, prendi-o fundo,
dei tudo para vivê-lo intensamente,
fui depredador de esperanças!
Deus me ajude e a vida me aguente...
.
Que o coração me falha e me morre,
de tanto ter a vida partilhado!
Aos noventa não chego, meu Amigo,
porque a meio já me sentia fatigado!
.
Mas, se com certeza aí não chego,
saboreio os que da vida fazem templo
tão belo tão longo abençoado,
tanto amor e prazer de ser exemplo!

domingo, 6 de dezembro de 2009

Sinfonia da Aventura - A Arnaldo Saraiva

 
Partir já no moliceiro
ou num barco de sargaço
naufragar no sol poente
apaixonante aventura
.
Moliceiro feito d'algas
quantas lágrimas e mágoas
nos arrastam à ventura
com moliço à mistura
.
Partir com o livre vento
engolfando as velas pandas
ao encontro do poente
ou contra a brisa sedenta
.
Partir para todo o sempre
numa quilha deslizante
enrugando pele lisa
de tanto sabor a sal
.
Partir nesse moliceiro
talvez seja apelo vão
uivo de mar como um cão
ou ânsia de peixe e pão!
.
Que te seduz sargaceiro
será mesmo a ventura
será ouro estrangeiro
com sargaço à mistura?
.
Rumar além partir já
rumar para todo o sempre
naufragar em água pura
apaixonante aventura.
 

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Tríptico (Veneração ao Douro) 3 - Daniel Cristal

 
Terras de Dionísio, casas
de lagares de pedra, muito antigas ;
Solarengas e com altas arcadas,
atravessadas são por grandes gigas.
.
Um povo a dançar com a vara na mão,
depois da vindima que colhe e que prima,
esforço gigante, vida de cão,
ao povo alegre veneramos estima.
.
Vede-o na azáfama, arregaçado,
descalço na rua e no lagar,
pisando a uva, tão adestrado...
o cheiro de mosto, põe-no a dançar.
.
E dança alegre com vara na mão,
na eira do dono depois do repasto,
o vira que faz dançar a Nação,
fermenta toda a casta, vinho casto.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Tríptico (Veneração ao Douro) 2 - Daniel Cristal

 
Terras escarpadas e aos socalcos,
com homens e mulheres na diária
azáfama duma existência térrea,
pela linha férrea são cortadas.
.
À espera do comboio sempre estão
os ganapos que vêm da Igreja
trazem como os pais a vara na mão
e na boca uma luz cor de cereja.
.
Deixam a missa, onde o padre saboreia
um licor mais saboroso que o amor,
é o vinho mais famoso: o Porto...
e o pão, que dão vida a qualquer morto.
 

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Tríptico (Veneração ao Douro) 1 - Daniel Cristal

 
Homem são vestindo o seu paletó,
à tabacaria da esquina vai,
preto chapéu de abas com pó,
leva uma vara que nunca cai;
.
Por baixo das abas, traz uma barba,
interpela a mulher vendedeira
e ela responde toda brejeira,
na cabeça o lenço, que Deus lho guarda...
.
Coisas simples dizem, a vida nos campos
é ingrata e dura... os filhos, coitados,
têm a saúde dos pirilampos,
e, como os fósforos, são uns danados!
.
Os Invernos são gélidos e os Verões
quentes são. A uva amadurece
lentamente depois de muitas canseiras...
vamos apanhar as uvas das leiras.
 

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Cântico Litoral

A Mário Sacramento, Clara Sacramento e David Cristo


uma salina ao lado e ao longe um cone ao perto uma pirâmide a imprimir-se no espaço e no tempo nas noites de luar um triângulo a projectar-se até na Lua e nos planetas
no cimo uma vela olhá-la foi espanto a brancura feria os olhos o branco era o sal e a pirâmide erguera-se da água salgada a aspirar novo ciclo cidade anfíbia a arrebatar o sangue recirculado
o moliceiro levava a vela desfraldada de repente a brancura voltou a ferir então no profundo o branco era a vela e o monte de sal
o Sol deitava-se no cimo da pirâmide um globo perpetuava o eterno e efémero ciclo diurno em toda a parte um cântico litoral a redobrar o seu som perdido na esperança duma aurora nascitura
era Aveiro a deusa anfíbia de Portugal no interior dum grande silêncio vespertino era ela no círculo o monte de sal e o moliceiro era ela a ofertar um novo caleidoscópio a fazer renascer novas formas ignoradas e novas harmonias
adoráveis pirâmides e rectângulos raras e exóticas linhas geométricas...
amor estampado nos pares de namorados a olhar o deitar do Sol no horizonte manso semicírculo a perder na memória a esfera encarnada a encimar o vértice branco num clarão litoral de proximidade e distância...

domingo, 22 de novembro de 2009

Cantiga Medieval - Daniel Cristal

 
Ai montras do Porto antigo
que me trazeis seduzida
ai Deus ele está distante !
 
Às lojas ouro fui comprar
para os meus dedos ornar
ai Deus está tão distante !
 
Do ourives trouxe prata
para meus vestidos bordar
ai Deus que distante está !
 
Linho rendas e cetim
para os olhos enfeitiçar
do meu amor tão distante !
 
E trouxe o negro da noite
para minhas mágoas calar
ai Deus que o tenho distante
 
E a Lua meu amor eu trouxe
para teus passos alumiar
ai Deus que está tão distante
 
De nada meu amor gostou
nada este amor aprovou
ai Deus como está distante !
 
E fui trocar por sorrisos
por este regaço de beijos
meu Deus como está distante !
 
Ai montras do Porto antigo
ensinai-me vos suplico
quero ser a sua amada !

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Fermentação - Daniel Cristal


Implora a flora pela hora dessa chuva 
que lhe falta na raiz... Demora a uva 
na cuba a fermentar o néctar novo 
do velho País. E demora o povo 
a ser também feliz. 


Tudo o que se implora, na demora, 
permanece na hora do futuro 
incerto e petiz, flora sem raiz, 
fruto impuro que há-de fermentar 
quando aprender a amar. 


Mas toda a flora irá futurecer 
com esse néctar que o povo 
irá beber, depois de aprender 
a mondar a impureza como faz 
a cuba com a uva.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Alma a Prumo - Daniel Cristal


Levo a minha alma cheia, vida fora,
Com o sonho lindo que me enfoca;
O resto deixo à terra numa hora,
Liberto desse ouro que sufoca.

E vou feliz sonhando a madrugada,
Feliz quanto é possível ser na vida,
Sem qualquer mágoa rude na prumada;
Vou feliz com a alma bem erguida!

Levo no coração ternos abraços
De crianças amorosas, de parentes,
De amigos sinceros, o odor dos cravos,
O calor do amor, sorrisos quentes.

Levo bênçãos divinas concedidas
Por toda a Benquerença, a alegria
Das saudações sentidas e queridas,
Levo a partitura d' Harmonia.

Vou tão feliz como vai o doce amante,
Como a ave liberta da gaiola
Chilreando a canção mais empolgante
No fundo da guitarra ou da viola!

Sois meu amparo, Amigos desta vida,
Que mais me desejais, se sou feliz?
Exorto que tenhais a alma erguida
Na hora em que a sentirdes abatida!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Ninguém Sabe - Daniel Cristal

 
Meu rio é brando e alegre ao deslizar
E quando enxurra é violento como o mar!
Em tempo benigno, ele é um encanto,
Mas, quando encapela, é meu quebranto...
 
É um rio que desliza nas minhas veias
Do centro da Terra vindo, pulsando cheias,
E só se corresponde com uma estrela
Ficando extasiado só em vê-la.
 
Entre ele e essa estrela flúi a alquimia
Há beijos trocados que ninguém entende
Parece um mundo nato da magia;
 
Ninguém sabe que esse rio nasce em mim
Ninguém sabe por onde ele anda e se estende
Vive dum sonho lindo... e nunca terá fim.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Na Humildade - Daniel Cristal

 
Serena, coração, como um cordeiro!
Acalma a ansiedade ou o pavor,
que te agitam em ritmo desordeiro,
destarte, na humildade do amor!
 
Não desesperes mais, não te insurjas,
não queiras abarcar o que não podes,
nem julgar cegamente o que tu julgas,
porque com amor a ti acodes!
 
Fica na humildade do amor,
assim, quase parado e insensível,
um rio muito manso, indolor!
 
Faz-te estátua viva no gesto crível,
afago de ternura e de fervor,
simples lençol de Sol, apetecível!
 

domingo, 19 de julho de 2009

Lamento - Daniel Cristal

 
Estou aqui a pensar em frente ao mar
- Um dia vais descarnar num acto puro
o molde da minha alma, sem me instar
a ver a criação toda do Futuro.
 
Mas nota bem: levo esta destroçada
por ver que o que cantei foi a Utopia
irrealizada: a vida feita Paz
e Amor na plenitude d' Alegria.
 
Como pareces mesmo Deus, me curvo
ao imenso poder que me definha,
mas doo-te esta palavra e o percurso
do sangue cá largado à prole minha.
 
Não sei por quanto tempo vai durar
este meu pergaminho e o lamento
deixados no caminho, ao voltar
da Tua frente... Insolente porque tento!

sábado, 18 de julho de 2009

A Benquerença - Daniel Cristal


É o local predilecto onde o melro
saúda a aurora na canção sonora
e transforma-se no amor do filadelfo
repartindo-o por esse mundo fora.
 
No sítio mais frondoso o melro canta
de modo a encher com o seu trino
os vales e as colinas, e agiganta
toda a harmonia alegre que defino.
 
Defino esse portal, defino o estado,
a atitude perene que jubila
a acção que nos transcende em todo o lado:
 
A Benquerença, acção que nos burila
e é nesse sítio alto que a poesia
poisa, e enche o coração de alegria.

terça-feira, 14 de julho de 2009

Um Brinde ao Amor - Daniel Cristal


Com uma taça de vinho, ofereço-te, amor, 
A luxúria do mundo na fúria -frescura, 
Esta que se perpetua no teu esplendor, 
haja ou não Lua, estejas ou não nua! 

É nosso destino despirmos a parra 
E dançarmos ao som da concertina; 
Esta vai ser a nossa melhor farra, 
Chega p'ra cá tua cintura tão fina! 

Levo-te ao Sol na cadência do Amor 
No tom da cantiga com a taça erguida, 
Cheiras a mel da mais bela colmeia 

A tua boca -rubi esvai-me o calor 
Pincelo com ouro o teu gozo da vida 
Somos um para o outro a melhor ceia... 

domingo, 12 de julho de 2009

A Mão Aberta - Daniel Cristal


No pano que eu bordo, vês as tintas
que coloram a vida, coisas que eu
não vejo, mas almejo por que sintas
o que eu pinto na música de Orfeu.

Por que escolho o verde, eu não sei,
e se ele vira rubro, também não!
Até parece a corte sem o rei
e os vassalos dançando num salão...

Não é preciso o rei, nem presidente,
nem poeta pra bordar o sentimento;
o próprio mundo o faz no seu presente...

Se alguém deixar a mão aberta ao vento,
todo o movimento se lhe agarra
a bordar qualquer tela sem amarra. 

sábado, 11 de julho de 2009

Este Fogo - Daniel Cristal


Pega um pouco deste fogo matinal
para que o dia te fique iluminado,
e pela noite dentro seja o brilho
que nunca mais te deixa tropeçado.

Não custa mais que um gesto este fogo:
um gesto que não custa mesmo nada,
um gesto que nos deixa agradecido
a Deus por ficar bem ao nosso lado.

E faz o mesmo que eu faço com o outro,
que de ti se abeira numa ânsia;
repete sim o gesto com constância;

Porque se assim for feito, toda a gente
ficará esta noite, iluminada,
sem a ânsia de nova madrugada.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Um dia - Daniel Cristal


Um dia regressarás no esplendor
da raiz duma árvore centenária
mariposa celeste multicor
mulher do meu fascínio deusa vária

Deusa variegada porque cega
na cor na luz na voz na sua nudez
mulher virgem impura na entrega
mulher a unificar duma só vez

Una e vária impura sendo ave
do dia mais perfeito a aurora
de toda a criação sua candura

Virás - um dia - veloz na voz suave
capaz de premer aqui e agora
o motivo de ser que nos apura.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Não Estamos Sós - Daniel Cristal


Nunca ninguém cantou a sorte horrenda
Duma criança morta pela fome;
Nem se lembrou da sorte que fermenta
Em quem nos pede pão porque não come.

Nunca ninguém cuidou do homem preso
Por ideais humanos solidários,
Porque ser fraterno é grande peso
Que incomoda os nossos vícios vários.

Nunca ninguém pensou que após a morte
Podemos reincarnar na indigência
E ter que suportar uma igual sorte...

É hora de pensar com consciência:
Pensar em toda a gente, não em nós
Porque, no mundo, não estamos sós.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Minha Prece - Daniel Cristal


Senhor dos meus pensamentos
Deus dos meus descobrimentos
Dos meus achados anímicos
Dos meus trabalhos alquímicos

Senhor Deus de todo o lado
Divino e humanizado
Presente no nosso Reino
E com quem a alma eu treino

Dai-me força p'ra vencer
E para futurecer
O meu sonho do Futuro
N' alegria que eu auguro

Dai-me força pra perdoar
Os que não sabem amar
E a fé para arredar
Quem só sabe difamar

Domina-me a tentação
De magoar o coração
Livrando-me daquele Mal
Que te matou afinal.

domingo, 5 de julho de 2009

Alheamento - Daniel Cristal


Não traz música nem um simples tom
que nos ponha alvoroçados nesta vida
não traz um simples cheiro de alfazema
nem o dom à investida do diadema

Não traz luz e ela me falta na escuridão
não traz o amor nem a dança da alegria
não traz o frenesim da viagem que redime
nem a emoção do novo dia sublime

Murmura apenas uma alma amargurada
sem a via do Futuro que alumia

E eu aguardo um sinal que seja decifrável
um gesto minúsculo a visão do milagre
um toque de magia a alucinação concreta
a porção viável que consagre o ser poeta.

sábado, 4 de julho de 2009

Cambio Veloz - Daniel Cristal


El ritmo del cambio es muy veloz
mas veloz, en esta era, que antes,
y hay señales de esperanza en la voz
que no acoge enanos, mas si gigantes.

No cito gigantes corporales,
pero gente con el alma muy bella,
lista a dar ternura a sus semejantes
y capaz de ayudar a quien apela.

A quien apela a quien mucho precisa
de una ayuda pronta en un accidente
que por azar turbo a su vida.

Cito , y vuelvo a citar, la buena gente
que da en este momento su mano
y hace del ser carente su hermano.


Traducido por Cristina Aceves Colibrí

Mudança Veloz - Daniel Cristal


O ritmo da mudança é veloz,
mais veloz, nesta era, do que dantes,
e há sinais de esperança nessa voz
que não acolhe anões, mas sim gigantes.

Não cito os gigantes corporais,
mas gente com a alma muito bela,
pronta a dar ternura por demais
e capaz de ajudar a quem apela...

A quem apela, a quem muito precisa
duma ajuda premente no acidente
que por azar turvou a sua vida.

Cito, e volto a citar, a boa gente
que dá neste momento a sua mão
e faz do ser carente o seu irmão.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Uma Cidade - Daniel Cristal

 
Ser poeta não tem corpo, é uma aura,
um estado de alma ou coisa etérea...
Refaz o que é léria em coisa séria
e suplica a quem carece de aula
 
uma aula sendo uma advertência,
sem princípio nem fim, contendo meio,
no meio do mundo, luz do seio
ou veio que alargue a luz com a valência
 
e é preciso despir muita roupagem,
navegar muito dentro o mundo todo,
renunciar ao pueril e fazer bodo
 
na realidade buscar uma outra imagem
que deixe nessa aula uma cidade,
um estado de alma ou uma aura.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Grito variações - Daniel Cristal

 
Quando aflito, alvitro um delito, e grito,
e grito porque há um atrito contradito,
e, quando desdito também requisito
um novo mito num dito subscrito.
 
Um grito é como um chuto no escuro,
é mandar um puto encobrir-se num muro,
e rir-se do cu duro, ui, vai ficar com mais um furo!
Já nada auguro nem te juro que te curo...
 
Só grito quando curo um fito impuro
ou um esquisito apuro onde entrou Epicuro,
e, por isso, edito o que auguro no requisito;
 
O grito é como um enxurro dum pito com furo
ou do manguito que perfuro com a dor do inaudito,
porque pito não aturo, ainda que seja bonito.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Feliz Encontro - Daniel Cristal


O voo da pomba imita o teu gesto lindo
E o teu olhar só o vejo na ternura !
O Sol nasce no teu sorriso infindo
e caldeia a atracção que nos sutura.

Renasceram, pois, os componentes
Para que o amor fosse possível,
metamorfoseando em um, dois entes
que se amarão para sempre ao mesmo nível...

Do amor ao desejo e ao querer
é um passo voluntário e sem reservas.
É a confusão de se ter num outro ser,
Uma monda que reduz daninhas ervas.

E agora, quando te amo, és tremenda !
No fim ficas divina... a eterna lenda!

domingo, 21 de junho de 2009

Ao Luiz Poeta - Daniel Cristal


O mundo virtual anula o espaço
e nele os sentimentos se propagam
a cem à hora; o tempo é escasso
e até os fogos do ódio se apagam

E é por isso qu' ao ouvir-te meu amigo
digo Viva a Amizade! Ela é espontânea
o brando coração está contigo
recebo-o deste lado e dou-lhe abrigo

Têm razão os estetas do prodígio:
neles os versos soam com a viola
palavras que se comem num rodízio

E é de festa que falo nesta hora
e brindo à empatia em cada dia
brindo ao Luiz Poeta - Aleluia!

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Poetas Imaturos - Daniel Cristal

 
Há pouca diferença entre mim e ti;
pouco sobejo, e só desejo
que vivamos felizes pelo dia
que nos traz a alegria - assim almejo!

É uma diferença de aroma,
que nem pede licença a ninguém,
uma só distinção de cromossoma,
que faz de mim o pai, e de ti a mãe!

Em rodopio cantamos nesta dança,
manifestamos risos com vontade
de fazer alegrar nossa criança...

Porque nisso não há desigualdade,
somos ambos poetas imaturos,
capazes de brincar e sermos puros.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Feliz - Daniel Cristal


Antigamente fui poeta livresco
Escrevia com caneta especial...
Chegou a ser dourada! Sujava dedos
E bolsos do casaco. Liam-me mal!
 
Mas, quando apareceu o computador
Com um écran mágico e altifalantes
Facilmente aderi ao seu esplendor
Por belos desenhos, música e cor!

De passivo a activo renasci,
Converti-me em actual leitor do Mundo,
Transmissor de textos meus, também de ti,
Capaz de ver o Universo num segundo.

Feliz sou por viver quando amanhece,
Toda a Net me conhece e reconhece!

domingo, 14 de junho de 2009

Bom dia em cada ano - Daniel Cristal

 
Pequenos gestos fazem uma vida
um sorriso de boa vizinhança
um afago no velho ou na criança
que o trauma do azar deixa ferida
 
nem que seja o odor duma flor
a alegria do rosto deslumbrado
a palavra elegante que extravasa
a cor do teu olhar e o seu valor
 
São os pequenos gestos que cativam
e mostram o teu âmago humano
e te melhoram de ano para ano
 
São gestos pequenos que te içam
hoje agora e sempre à simbiose
que em mim te deseja nesta pose.
 

sexta-feira, 12 de junho de 2009

6ª variação


Só serei totalmente homem feliz
Homem digno, completo cidadão,
Quando a fome deixar de existir
E deixar de haver má formação...
 
É paradigma da Arte, é sua essência:
Haver pão e este ser suficiente.
Haver fome é enigma do presente
Em contraste com tanta opulência!
 
Haver fome é este o grande enigma
Transformado num louco paradigma!

quinta-feira, 11 de junho de 2009

5ª variação


É dito semiesco, actual:
Não há pão suficiente em muita mesa!
Mau efeito do sentido da presa
E por isso é qu' o mundo corre mal!

É mistério, é, mas se assim é,
Arranjemos algum pó milagroso
Que nos dignifique, que seja engenhoso,
Ou seja qualquer milagre pela fé!
 
Haver fome é este o grande enigma
Transformado num louco paradigma!

quarta-feira, 10 de junho de 2009

4ª variação


Esbanja outros contos onde abundo,
Por exemplo a crónica d' haver fome
Em toda a parte, só porque não se come!
Mas qu' engano na essência deste mundo!
 
E não paro, ó minha geneadeusa,
de apontar na mesma direcção:
a nossa e a sua perpetuação
que mata, esfarrapa e nos endeusa!

Haver fome é este o grande enigma
Transformado num louco paradigma!
 

terça-feira, 9 de junho de 2009

3ª variação


O milagre de existires aqui
Como lenda, relicário, baptistério
O enigma da Arte, outro mistério
Mineral de cristal em que nasci...
 
A tal fome é o grande paradigma
Do juízo mui acre da negação
Da nossa e da sua perpetuação
Uma saga de cega dum só sigma!

Haver fome é este o grande enigma
Transformado num louco paradigma!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

2ª variação


Não é da redenção da nossa cruz
Que versamos um tema até ao fim.
É da fome e da miséria, essas sim,
Que no céu nos reduz a própria luz!

Grande fome explorada pelo homem
condutor da miséria - a que resulta,
numa senda com a moral estulta
definhando famintos que não comem!

Haver fome é este o grande enigma
Transformado num louco paradigma!

domingo, 7 de junho de 2009

1ª variação


Esta fome, que grassa pelo mundo
Sem ninguém ver, é paradigma!
A visão, que não vê, é um enigma
Dum diabo com rosto vagabundo!

Avilta-me este mistério envolvente
o da perpetuação da fome - acinte
Sem a prova de luz do sonho lindo
como lenda à espera que acalente!
 

Haver fome é este o grande enigma
transformado num louco paradigma!

sábado, 6 de junho de 2009

O Paradigma Da Fome - Daniel Cristal


Quando entro nos bairros da pobreza
Quando vejo os corpos andrajosos
Uma boca esfomeada e sem mesa
Sem comer, e meninos já idosos.

Quando vejo tanta promiscuidade
Tanta vil amargura nesses rostos
Vejo o mundo sem a felicidade
Vejo a vida parida de desgostos!

Haver fome é este o grande enigma
Transformado num louco paradigma!

Há Uma Pítia Ciciando - Daniel Cristal


Há uma pítia ciciando: De vez em quando, recebo do fundo da terra sinais, que não são mais do que mensagens estranhas, pela originalidade, e verbalizo-as, recorrendo às alturas celestes e celestiais. Algumas chegam em surdina, um acorde ressonante de vozes sibilinas, outras um vozeirão que incomoda os tímpanos, e com dificuldade as interpreto e amacio. Se as que são agradáveis, são fáceis de verbalizar, e delas me faço fiel intérprete, as outras precisam de muito trabalho e suor para serem entendidas e aperfeiçoadas. São as primeiras, a parte mais bela da Poesia; essa que sujeita à perfídia e à aleivosia, vos deixo como testemunho. Todavia, quando vou ao ribeiro do Juncal, minha catedral, olho o açude que o retém diminuindo o volume da enxurrada, as águas, com a finalidade de me poder servir delas. Nessas ocasiões, interrogo o caudal; e, destarte, pergunto se me está destinada alguma tarefa especial para estancar o vozeirão, e o seu cachoar sugere, como se de uma pítia, se tratasse: o que está escrito, está, e nada o altera. Todo o ser tem um destino a cumprir. O teu pode não ser o mais fácil, pode até ser a amargura no mais profundo significado do sentimento contido, sujeita a todos os vilipêndios e traições, mas não hesites em cumprir a tua missão até ao fim. O meu caudal também ninguém o sustém ou pára. E nem tu, com a madriga consegues sustê-lo, pois o meu destino é o mar. Só o mar o acolhe; é ele o que absorve o meu destino, e o recebe na abundância; e, pela razão de que é grande, aceita toda a dor, e paga a dor com a tranquilidade final. Contudo, não esqueças, o mesmo mar agita-se de quando em vez com a má formação e a imperfeição da crosta terrestre, e castiga-a com maremotos, os quais vitimam indiscriminada, e aleatoriamente, os seus habitantes usufrutuários. E concluo, no fundo, tudo é precário com um destino implacável a cumprir, e tem de ser cumprido... Todos se cumprirão na morte e na transformação. Pois, de tudo isso, resulta que Deus está de fora e ao lado dessas vicissitudes. Ele está, isso sim, dentro de nós, se O soubermos fazer diariamente no Seu cumprimento mais puro.